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Entenda por que mais de cem cidades do País terão candidato único nas eleições

Acordos políticos locais e falta de recursos explicam fenômeno; analistas veem prejuízo à democracia

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Por Redação
Atualização:

BRASÍLIA, PORTO ALEGRE e CARMO DO CAJURU (MG) – Moradores de Itinga (MG), cidade de 15 mil habitantes no Vale do Jequitinhonha, já sabem quem será o próximo prefeito. O advogado e ex-procurador do município João Bosco Versiani Gusmão (PP), de 37 anos, é o único candidato nesta eleição. Sem concorrente, será eleito mesmo que receba só um voto.

Há 117 cidades nesta situação, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2016, 97 cidades tiveram candidaturas únicas. Em 2012, 106, de acordo com o TSE. “Os eleitores reclamam que a eleição ficou sem graça. Eu não reclamo. Prefiro mil vezes assim que uma disputa acirrada”, disse Gusmão.

Sem rivais, prefeito Edson de Souza Vilela é candidato à reeleição em Carmo do Cajuru Foto: Pedro Vilela / Estadão

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Ao menos 70 desses municípios têm menos de 5 mil habitantes. Vários motivos explicam o fenômeno. Em Itinga, a candidatura de Gusmão reuniu cinco partidos. Além de acordos políticos locais, candidatos que reclamam de falta de recursos para montar candidaturas de oposição também ajudam a explicar a falta de concorrência. A maior parte dos casos está no Rio Grande do Sul, onde não haverá disputa em 34 cidades.

Uma delas é Morro Reuter (RS), com 6,5 mil habitantes e economia agrícola e origens germânicas. Professora de Matemática, a prefeita Carla Chamorro (PTB) não precisa fazer campanha, mas diz que vai visitar todas as 2,4 mil residências da cidade, a fim de entregar um livreto com os resultados da atual gestão, além dos projetos para os próximos quatro anos.

“Minha responsabilidade redobrou, pois sou apenas eu. Não posso me acomodar”, afirmou a prefeita, eleita em 2016 com 71% dos votos. Para explicar sua popularidade, Carla diz que fez um café regado a “cuca alemã” para os moradores durante o primeiro sábado de cada mês. Mas teve que suspender os encontros durante a pandemia. Os moradores podem achá-la pelo telefone celular.

“Se tivesse outro candidato, só iria atrapalhar”, disse o comerciante Paulo Maciel. Em um dia de muita chuva na cidade, na sexta-feira, 2, a reportagem não encontrou nenhum crítico à prefeita.

Nos municípios de Doutor Mauricio Cardoso (RS) e de Mato Queimado (RS) esta será a quarta eleição seguida em que haverá uma única opção na urna.

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“Falar que fazer candidatura única é fácil, não é não”, disse o atual vice-prefeito de Boraceia, Valdir de Souza Melo (PSDB). Mais conhecido como Di Picapau, ele está sozinho na eleição para a prefeitura da cidade com 4.868 habitantes no interior paulista.

Di Picapau recorre ao autoelogio para dar sua versão de por qual motivo nenhum outro candidato se arriscou na disputa. “A própria população quis que a gente ficasse. Os cinco candidatos a vereador do partido da oposição (PTB) vieram falar para mim que estão comigo também”, afirmou.

Candidato único em MG, prefeito ignora atos de campanha

Uma semana após do início do prazo legal para realização de campanha para eleições municipais, o prefeito de Carmo do Cajuru, centro-oeste de Minas, Edson de Souza Vilela (PSB) não fez nenhum movimento para pedir votos para sua reeleição. Nem live, tão comuns na pandemia, realizou. Vilela, de 57 anos, é candidato único na cidade mineira.

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O prefeito marcou para este domingo, 4, seu primeiro ato de campanha. A gravação de um vídeo, que pretende fazer pelo celular, em uma praça da cidade, e distribuir pelas redes sociais. “Vou agradecer os moradores da cidade”, disse.

Ele também faz planos para o programa eleitoral. Na sua participação, solo, com dez minutos diários, sem qualquer concorrente, pretende “destrinchar”, como diz, seu plano de governo e abrir canal para perguntas de eleitores, que somam aproximadamente 18 mil no município. Vilela refuta a possibilidade de falta de democracia na disputa local pela falta de concorrentes. “As candidaturas poderiam ocorrer. Estava tudo aberto. Não quiseram lançar ninguém”, afirmou.

Um dos vereadores que fazem oposição ao prefeito, Anderson Duarte de Oliveira (PT), disse que a decisão do partido de não lançar candidato ocorreu por motivos particulares. “Uma candidatura única enfraquece muito a democracia”, disse o vereador, discordando do prefeito. “O que agrega é o debate.”

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Na cidade há quem diga que motivos como a pandemia também fizeram com que outros possíveis candidatos desistissem de entrar na disputa. E quem aponte, também, que o atual prefeito é imbatível hoje. Assim, preferiram evitar o confronto e buscar uma composição depois.

Em Carmo do Cajuru é possível encontrar muitas pessoas que defendem o prefeito em sua candidatura sem concorrentes. O comerciante Nelson Fonseca Vilela, de 49 anos, se remete a um ditado local, que poderia, no tempo devido, incentivar possíveis concorrentes do prefeito: “Eleição é igual a sinuca. Ninguém nunca sabe o que pode acontecer”.

Para a cientista política Ariane Roder, professora no Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desconfiança e desmotivação em relação à política são alguns dos fatores que levam às candidaturas únicas. “Não há propostas a se escolher e se contrapor, não há alternativa do que está sendo proposto, podendo inclusive levar a propostas mais extremadas, com menos diálogo”, disse ela, que aponta ainda dificuldade de financiamento e de mobilização para uma campanha em meio à pandemia do coronavírus como fatores que desestimulam a competição nessas 117 cidades.

A cientista política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp-FGV), ressalta a atuação das elites locais em cidades pequenas. “Todos concordam com um mesmo candidato como apontam uma fila. Nessa eleição quem indica o candidato é o grupo ou partido A, na seguinte o B e assim sucessivamente”, afirmou. / CAMILA TURTELLI, JUSSARA SOARES, LEONARDO AUGUSTO e LUCAS RIVAS, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

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