'Economia é que dá força à diplomacia', diz Ricupero

Com olhos atentos à economia mundial e à relação do Brasil com as grandes potências, ele avalia o futuro da política externa brasileira

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Por Alexandra Martins e Gabriel Manzano
Atualização:

A primeira condição para um país se projetar, na diplomacia mundial, é ser visto como um país que deu certo. Que tem porte, poder, economia organizada. “Se ele dá certo, é respeitado. Se não, pode fazer a pirueta que quiser, que ninguém vai lhe dar bola”, resume o embaixador Rubens Ricupero, ministro da Fazenda nos tempos do Plano Real, secretário executivo da Organização Mundial de Comércio e hoje diretor da Faculdade de Economia da Fundação Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. 

Diplomata veterano, com olhos atentos à economia mundial e à relação do Brasil com as grandes potências, ele avalia, nesta entrevista ao Estado, o futuro da política externa brasileira - que, como advertiu acima, precisaria ser ajudada por uma grande arrumação econômica do País - e aponta possíveis caminhos para o setor no próximo governo. A presidente Dilma Rousseff, diz ele, “tentou retificar os excessos do protagonismo de Lula” mas chega ao fim do mandato “sem nada decisivo para mostrar”. O tucano Aécio Neves reforçaria a aliança entre diplomacia e comércio, com boa chance de recuperar para o Brasil a imagem dos tempos de FHC, “na medida em que melhorar a economia”. E Marina Silva pode até “repetir o Lula, porque também tem biografia e tem carisma”. Ela poderia, diz ele, deixar uma forte marca na política ambiental do planeta, juntando “ortodoxia e utopia”. A seguir, principais pontos da entrevista.

O embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 15/5/2013

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Qual o seu balanço da diplomacia brasileira durante o governo Dilma? 

Assim que foi eleita, a presidente Dilma Rousseff se mostrou disposta a consertar os excessos da política diplomática de Lula. Havia muitas críticas ao protagonismo do ex-presidente, nas relações com vizinhos e também com o Irã. Ela esfriou a relação com os iranianos, mas há quem diga que se afastou até demais - o Brasil acabou sumindo daquela área. Mas a política de defesa dos direitos humanos teve uma correção de rumos bastante elogiável. Também acho meritório o modo como ela tentou melhorar as relações com os EUA - por exemplo, com o lançamento do programa Ciência Sem Fronteiras -, avanço que foi interrompido pelo episódio da espionagem americana. O encontro mundial sobre internet acabou não tendo impacto, mas em seguida houve a reunião dos Brics em Fortaleza, muito bem sucedida. Mas a colheita final foi magra.

De que modo um novo governo, seja de quem for, poderia superar esses limites e projetar o País no mundo?

A primeira condição para se projetar é ser visto como um país que dá certo. Se dá certo é respeitado. Quando não dá certo pode fazer a pirueta que quiser que ninguém vai dar a menor pelota.

Isso significa que, diante dos desafios econômicos, não há como o Brasil sonhar em ser grande potência?

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Você tem, no mundo, 15 ou 20 fatores que definem as potências - possuir armas nucleares, foguetes, submarinos, indústria, ciência, pesquisa, educação, até produtos culturais. Nessa conta, os Estados Unidos são uma superpotência única. Veja, a Marinha americana desloca nos oceanos 2,2 milhões de toneladas. O resto do mundo inteiro, somado, desloca 2 milhões. A China está em ascensão, a Rússia vive um declínio. A China é a única que pode, no longo prazo, tentar ombrear com os EUA. 

Mas o Brasil pode ao menos aspirar a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU?

Esse é um falso problema. Ele nem está mais em pauta, porque não há consenso para se reformar o Conselho e as condições internacionais não são propícias, visto que as grandes potências estão em conflito. Não há a mais remota hipótese de esse assunto voltar.

A aliança dos Brics, da qual o Brasil faz parte, pode crescer e ficar importante?

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Não se pode dar um valor excessivo a ela, mas também não convém subestimar. São quatro países, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que têm influência política. No encontro deles no Brasil, em julho, foram tomadas duas decisões concretas, a criação do banco de infraestrutura e do fundo de reserva. Mas o fato é que dois deles têm assento no Conselho de Segurança, Rússia e China, e os outros três, não. Cada um faz sua diplomacia por conta própria. Mas há potencial, e isso pode aumentar a influência do Brasil. 

Na relação do Brasil com vizinhos, qual é a situação hoje e para onde ela pode ir?

O projeto do governo nessa área ficou frustrado porque nos problemas mais sentidos - com Argentina e Mercosul - não se conseguiu nenhuma evolução positiva. O governo Dilma sequer apresentou uma fórmula para superar os problemas. Parece que a estratégia é ir dando tempo às coisas, esperando que melhorem. 

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Quais rumos pode tomar a política externa brasileira caso Dilma seja reeleita?

Acredito que a presidente tem intenção de melhorar as relações com os Estados Unidos, com a União Europeia e com Argentina. Mas ela está destruindo o Itamaraty por falta de dinheiro. Hoje, eles não têm como fazer uma viagem de Brasília a São Paulo. E ela não vai colocar nada no lugar. Tenho dificuldade em acreditar que, no segundo mandato, ela venha a fazer uma obra melhor agora do que no primeiro. Não porque ela não tenha boas intenções, o que ela não tem é vocação, nunca teve confiança no Itamaraty. Os assessores do Palácio do Planalto, ademais, não têm formulação para isso porque há muito peso do filtro ideológico Por fim, não há dúvida de que nem ela nem Aécio fariam uma diplomacia de protagonismo. Nenhum dos dois tem esse perfil.

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E no caso de Aécio ser o eleito?

Nós voltaríamos a uma política externa mais como no tempo de Fernando Henrique, sem ter uma figura como ele, que é intelectual, mas teria uma política externa mais bem acolhida porque se basearia numa política econômica mais respeitada. Com Arminio Fraga como ministro da Fazenda, boa parte do prestígio volta, inclusive o prestígio diplomático. Seria uma política mais pragmática, voltada para a reconquista de posições econômicas, comerciais e financeiras. Não vai brigar com ninguém, nem com a Venezuela, mas acabará a política ideológica.

E se a vitoriosa for Marina Silva?

Ela tem esse lado carismático, mas não está em busca de holofotes como o Lula, ela tem uma emanação própria. A eleição dela faria diferença na política ambiental. Ela traz aquele lado de idealismo e utopia que falta à economia pura e dura. Para o pessoal de Davos, o mundo ideal é ter uma economia ortodoxa que funcione com um pouco de utopia, e isso ela traz. Com Eduardo Giannetti, ela poderá ter uma receptividade muito grande.

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