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Dever de Estado

Por DORA KRAMER
Atualização:

O Congresso aprovou, a presidente da República sancionou e em maio começa a vigorar a lei que obriga o poder público a pôr à disposição da sociedade as informações que lhe forem solicitadas.É uma lei de difícil execução, implicará a criação de novos mecanismos administrativos, mas colidirá principalmente com a mentalidade do poder fechado em suas razões, na convicção de que o Estado tudo pode e nada deve ao cidadão. Muito se tem falado sobre essas dificuldades dentro do governo, onde ainda reina a incerteza, mas muito pouco ou quase nada tem sido feito na prática em favor da aplicação da lei que tanto pode gerar tensões quanto produzir avanços.A expressão nítida desse traço de obscuridade e da resistência a ser enfrentada é a maneira como o governo federal vem lidando com as demissões e admissões de ministros e dirigentes de estatais. Não se obedece ao pressuposto de que é obrigação do governante dar informações e um direito do cidadão recebê-las. Auxiliares presidenciais vão e vêm sem que se saibam exatamente os motivos. A presidente nunca fala sobre eles. Mário Negromonte, por exemplo, acabou de deixar o Ministério das Cidades, mas do Palácio do Planalto não se ouviu qual a motivação: se saiu por ser incompetente, alvo de suspeita de prevaricação ou o quê. Da mesma forma, ninguém disse quais são mesmo as qualificações específicas do deputado Agnaldo Ribeiro - além de pertencer ao partido do "saído" - para assumir o comando de uma pasta com previsão orçamentária de R$ 22 bilhões para 2012. Sobre isso, o que se têm são versões anônimas e as palavras do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e do vice-presidente Michel Temer dando conta da normalidade nesse tipo de ida e vinda. De fato, o entra e sai de gente no governo é absolutamente normal. Anormal, contudo, é ausência de transparência a respeito.Nesse quesito da falta de compromisso com a informação pública se inscreve com destaque e escândalo o caso recente da demissão do presidente da Casa da Moeda, o economista Luiz Felipe Denucci.Consta que saiu por corrupção. Teria recebido propina de fornecedores em contas no exterior. Pode ser e pode não ser. O governo não se pronuncia, não esclarece afinal de contas o que se passou realmente, informando apenas a abertura de uma sindicância para investigar se houve ou não houve o "malfeito". Mas, então, a demissão pode ter sido injusta? Não se sabe. O que há em tela até agora é um jogo de empurra, de palavra contra palavra, entre o ministro da Fazenda e o presidente do PTB, Roberto Jefferson. O ex-deputado diz que o partido apenas encampou o apadrinhamento a pedido do governo. Guido Mantega alega que não conhecia o economista e devolve a responsabilidade da indicação para o PTB, afirmando que os políticos é que pressionaram pela saída dele. A "Casa Civil" manda dizer, por via sem autoria, que alertou a Fazenda desde agosto das suspeitas sobre o presidente da Casa da Moeda. Uma história estranhíssima envolvendo uma estatal com receita de R$ 2,7 bilhões e lucro líquido de R$ 517 milhões em 2011. Enquanto isso, os partidos no Congresso discutem a conveniência ou não de convocar o ministro da Fazenda para dar explicações, com os governistas divididos entre considerar a convocação uma inadequada "politização" ou usar essa hipótese como arma de retaliação. Como se vê, tudo errado nesse episódio emblemático em que o ministro da Fazenda mostra-se sem ingerência sobre um subordinado a respeito de quem ninguém se responsabiliza, demitido não se sabe bem por quem, sob uma acusação cuja investigação ocorre depois do ato consumado.O mais esquisito é que a cena parece verossímil diante de nossas vistas já acostumadas à obscuridade, embora prestes a se depararem com a entrada em vigor de uma lei que obriga o poder público a franquear a todos o acesso à informação. Inclusive as razões pelas quais as pessoas entram e saem da equipe presidencial. É de se perguntar se o governo vai se enquadrar ou se optará pela via da ilegalidade institucional.

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