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Desordem urbana vira estratégia de marketing em eleição no Rio

Por CARLA MARQUES
Atualização:

Moradores de rua, ambulantes, flanelinhas, vandalismo e sujeira em espaços públicos são pautas apresentadas como estratégicas na disputa eleitoral pela prefeitura do Rio de Janeiro, cidade acostumada com a própria imagem de cartão-postal. Sob o rótulo de "desordem urbana", o problema atravessa discursos e propostas da maioria dos candidatos, embora seja criticado por cientistas sociais como agenda essencialmente de classe média, que versa sobre efeitos e não causas do desequilíbrio. As propostas para conter a desordem na cidade vão desde a criação de uma Secretaria Municipal da Ordem Urbana, conforme tem anunciado Eduardo Paes (PMDB), até o aumento do efetivo da Guarda Municipal, projeto de Marcelo Crivella (PRB). Sobre essa questão, Fernando Gabeira (PV) tem citado ainda o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, mentor da política de "tolerância zero" contra a insegurança pública. Para o professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Orlando Alves dos Santos Júnior, a retórica da ordem é usada nestas eleições para esconder a falta de projetos dos partidos para a revitalização dos espaços públicos. O sociólogo denuncia que o Plano Diretor, instrumento que, segundo ele, seria capaz de assegurar um pacto social na cidade, está parado na Câmara dos Vereadores. "A população de rua e os camelôs são a resposta da sobrevivência. Não podem ser responsabilizados por problemas que estão na prefeitura e na Câmara dos Vereadores. Isso é inverter as responsabilidades pela gestão da cidade. Mais uma vez, são as idéias fora do lugar", critica Santos, que também atua como pesquisador no Observatório das Metrópoles. Posição semelhante é a do diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), José Augusto Rodrigues. Ele destaca o "potencial eleitoral da desordem urbana" como estratégia de marketing político numa cidade pautada pelo medo. "O que domina a agenda pública do Rio é o medo. Mas não o medo objetivo do crime e do criminoso, mas um tipo de medo difuso, que se relaciona à presença de moradores de rua, dos camelôs e dos chamados pivetes nos locais onde moram a classe média e a classe média alta. É o medo da miséria exposta", avalia. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Assistência Social, existiam, no final de 2007, 1932 pessoas vivendo nas ruas da cidade. Quase metade, 752 pessoas, concentrava-se no Centro e na Zona Portuária. PROXIMIDADE FÍSICA Mas o Rio não parece estar sozinho nessa situação: o Censo das Crianças em Situação de Rua e Trabalho Infantil, realizado pela prefeitura de São Paulo e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), no ano passado, contabilizou, num único dia, 1842 crianças trabalhando ou vivendo nas ruas do município. Desse total, 802 moravam nas ruas. De acordo com os dois sociólogos, a geografia do Rio faz com que a sensação de desordem urbana seja maior na capital carioca do que na metrópole paulista. "Em São Paulo, as classes mais altas ainda conseguem manter uma ilusão sobre o mundo ordenado, onde acreditam viver, e o mundo desordenado", defende Rodrigues. Para Santos, o que define a diferença entre Rio e São Paulo, no quesito desordem urbana, é "uma combinação perversa de proximidade física e distância social". O sociólogo e educador Mauro Santos, da ONG Fase, ligada ao Fórum Nacional de Reforma Urbana, acredita que a primeira tarefa do novo prefeito seja identificar as diversas origens dos moradores de rua e vendedores ambulantes para poder incluí-los na legalidade. "Um dos grandes problemas, por exemplo, é o alto custo do transporte. Muitos moradores de rua têm residência, mas vivem ao relento de segunda a sexta-feira por falta de condições financeiras", afirma ele. Os sociólogos defendem a necessidade de investimentos num conjunto variado de políticas públicas para contornar a desordem urbana, que passam por habitação, emprego e renda, educação e transporte. Como medida de curto prazo, eles citam a criação de hotéis populares.

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