Desgaste da política expõe relevância do voto ‘consciente’

Para analistas, acirramento das disputas eleitorais deu mais força à escolha por impulso, o que gera consequências individuais e coletivas

Por Bianca Gomes e Fernanda Boldrin
Atualização:

Morador do Jardim Capela, na zona sul de São Paulo, o aposentado Sebastião Paulo da Silva, de 72 anos, nunca deixou de votar. Nem em 1989, quando estava internado no dia em que os brasileiros iriam escolher o presidente da República pela primeira vez após a ditadura militar. “Conversei com o médico, assinei um termo de compromisso e fui votar.” Silva disse ter se arrependido de algumas escolhas que fez nas urnas, mas nega que isso tire seu interesse pela próxima eleição municipal. Ele continua buscando informações sobre os candidatos e acompanhando as decisões de quem ajudou a eleger.

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A história de Silva, no entanto, não é a regra. Em geral, os eleitores não sabem como funciona o sistema político nem pesquisam sobre os candidatos, segundo a pesquisadora Joyce Luz, do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Cebrap. “Os cidadãos não entendem que possuem um papel ativo na política e que a escolha de representantes traz consequências não só individuais, mas coletivas”, afirmou Joyce.

Na média, o brasileiro vota por impulso e não com base em uma escolha racional, avaliou a professora de Teoria da Democracia da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará Raquel Ramos Machado. “Isso faz com que a política se torne um espaço de mais manipulação e menos realização dos anseios da sociedade.”

A proximidade das eleições municipais, os altos índices de desconfiança na política registrados em pesquisas de opinião e a possibilidade de que muitas pessoas evitem ir às sessões eleitorais em novembro por causa da pandemia do novo coronavírus reforçam a discussão sobre a importância do voto consciente. O termo diz respeito a uma situação em que o eleitor escolhe seu candidato de forma responsável, ciente de quem está ajudando a eleger e disposto a acompanhar o mandato e cobrar o cumprimento dos compromissos de campanha.

Embora existam iniciativas para incentivar o chamado voto bem informado, elas ainda não foram capazes de mudar a imagem que o brasileiro tem da política. Pesquisa do Instituto Locomotiva/Ideia Big Data feita em 2018 mostrou que 96% dos cidadãos não se sentem representados pelos políticos em exercício e 94% acreditam que os parlamentares estão mais preocupados em se manter no poder do que em governar.

“As pessoas pensam que só o voto delas não adianta nada e que, mesmo quando elas votam, acabam elegendo um político que não faz nada por elas. Então, votar seria um esforço que não vale a pena”, disse Raquel. 

O analista de sistemas Adriano Sales, que fez um curso de política na empresa onde trabalha Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

Educação política

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O analista de sistemas Adriano Sales, de 33 anos, era um dos que achavam que seu papel no sistema eleitoral era simplesmente apertar os números na urna eletrônica. Sua visão começou a mudar após fazer um curso de educação política na empresa onde trabalha. “Percebi que meu papel não é só no período de eleição, mas todos os dias dentro da empresa, da minha casa, com meus amigos. E é acompanhar o que o candidato que escolhi está fazendo, se está cumprindo suas promessas.”

Ele afirmou que vai se aplicar mais na hora de escolher candidatos. “Pesquiso mais sobre o político, tento entender a trajetória, saber quais foram os pontos positivos e negativos.”

Com isso, o analista de sistemas disse ter deixado para trás “uma visão de torcida de futebol” que tinha do sistema político. A falta de conhecimento sobre os candidatos leva o eleitor a enxergar as disputas eleitorais apenas como um jogo entre vencedores e perdedores e não como uma arena de debate público, segundo analistas. Isso faz com que as pessoas se posicionem contra uma ideia, em vez de votarem a favor de um projeto, e ajuda a explicar a polarização, inclusive com episódios de violência, vivenciada de alguns anos para cá.

Outro efeito da descrença em partidos e do desinteresse na política é a alta taxa de abstenção. Na eleição presidencial de 2018, o índice atingiu o maior nível em 20 anos – 30 milhões de eleitores não compareceram às urnas, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dois anos antes, a soma dos eleitores paulistanos que não foram votar ou escolheram nulo ou branco foi maior do que o número de votos recebidos pelo candidato eleito, João Doria (PSDB), atual governador de São Paulo.

Participação

Eunice Tomé, 73 anos, fez um curso de formação política na Escola do Legislativo e da Cidadania de Santos. Foto: FERNANDA LUZ / ESTADÃO

Mas, se depender da escritora Eunice Tomé, de 73 anos, a taxa de abstenção não vai subir este ano, mesmo com a pandemia. Embora o voto seja facultativo em sua idade, ela pretende participar das eleições. “É na cidade que a gente mora, compra, dorme, estuda, trabalha e tem amigos. As eleições municipais são até mais importantes do que as federais, porque estão diretamente ligadas a quem vive no local”, disse.

Com a aproximação do pleito, a escritora resolveu participar de um curso de formação política da Escola do Legislativo e da Cidadania de Santos. Durante três dias aprendeu sobre temas como história da democracia, constituições brasileiras e papel do parlamento. 

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Segundo o presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, Alexsandro Santos, iniciativas como essa existem em casas legislativas de todo o Brasil e servem para ensinar sobre o funcionamento da política, não para fazer campanha. Até empresas têm buscado parcerias com cientistas políticos ou fundações para oferecer esse tipo de formação a seus funcionários. “Essas aulas contribuem para o letramento político da população”, afirmou Santos. 

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