Como desconstruir os rivais

Dilma Rousseff, candidata à reeleição, antecipa tradicional tática de enfrentamento petista, que costumava ser usada apenas no 2º turno, para não ser engolida por onda a favor de Marina Silva

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Por Vera Rosa
Atualização:

Sem paciência para novas teorias, Dilma Vana Rousseff dispensou nesta campanha os treinamentos de aikidô, a arte marcial na qual o aluno aprende a combater e a derrubar os adversários sem o uso da força bruta. “Já levei muito aikidô nesses quatro anos de governo, minha querida”, disse ela ao Estado. “Conhece cinco pesos e uma medida? A medida sou eu. Os cinco pesos são os demais.”

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Com a voz rouca após a maratona de comícios, debates e caminhadas, Dilma fez uma analogia entre a técnica aprendida em 2010 e os golpes sofridos desde que assumiu o Palácio do Planalto, um ano depois, na condição de primeira mulher eleita presidente da República.

Na disputa pelo segundo mandato, porém, foi a candidata do PT que vestiu o figurino de atacante antes da primavera e, após muitos embates para defender o seu governo, chega à eleição de hoje mais forte do que no início da campanha. Esgrimindo um discurso na linha do “não troque o certo pelo duvidoso”, slogan que marcou a etapa final da jornada de Luiz Inácio Lula da Silva pela reeleição, em 2006, Dilma antecipou a tática do medo, prevista para o 2.º turno, e foi à luta.

Dilma vestiu o figurino de atacante antes da primavera e chega à eleição deste domingo, 5, mais forte do que no início da campanha Foto: Intervenção gráfica de Fabio Sales sobre foto de Eduardo Nicolau/Estadão

A guinada na estratégia foi decidida em pelo menos duas reuniões, uma da coordenação de campanha e outra de Lula com dirigentes do PT, em 26 de agosto. Seis dias depois, um jantar em São Paulo selou a ofensiva. Em volta de uma mesa com vista para o Parque Ibirapuera, no Hotel Unique, estavam Dilma, Lula, o marqueteiro João Santana, o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), o jornalista Franklin Martins, o presidente do PT, Rui Falcão, e o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho.

Naquela noite, após o debate entre os candidatos à Presidência, no SBT, o diagnóstico foi um só: era preciso deixar o desafiante Aécio Neves (PSDB) em “observação” e centrar fogo na desconstrução de Marina Silva (PSB), sob pena de perder a guerra.

“Não dá mais para ficar nessa estratégia de ‘eu acho isso’, ‘eu penso aquilo’”, insistiu Lula, o fiador de Dilma, segundo relato obtido pelo Estado. “Acabou a zona de conforto da briga com o PSDB. O jogo político é duro e nós não podemos errar.” Ali ficou definido que era preciso tirar o manto de “santidade” de Marina.

Embora a largada oficial da batalha pelo Planalto tenha sido dada em 6 de julho, ministros admitem que a campanha de Dilma só começou, de fato, após 13 de agosto, quando um acidente aéreo matou o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. O candidato do PSB foi substituído, então, por Marina, que era sua vice. Ministra do Meio Ambiente no governo Lula, de 2003 a 2008, a ex-petista logo ameaçou Dilma e chegou até a ultrapassá-la nas pesquisas de intenção de voto, desorientando o PT.

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Sangue. Em conversa com um senador de seu partido, em 11 de setembro, Lula desabafou: “Se a Dilma ouvisse mais, tudo seria bem mais fácil. Ainda dá para ganhar, mas vai ser na base do ‘sangue, suor e lágrimas’”.

Com Marina no radar, a cúpula do PT aposentou a estratégia do “nós contra eles”, usada para fustigar o PSDB, e recorreu a uma dose maior de Lula no palanque. Dilma reagiu, aproximando-se de eleitores da nova classe média, que não atribuíam a melhoria de vida aos programas sociais do governo.

Massacrada por seu antigo partido ao empunhar a bandeira da “nova política”, Marina sentiu o baque e Aécio ganhou fôlego, abrindo a possibilidade de uma reviravolta no cenário.

Os dois desafiantes duelam agora pela vaga na final contra a presidente, numa eleição com desfecho imprevisível. Na sexta-feira, ministros previam desde a vitória de Dilma no 1.º turno até um confronto com o tucano.

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“Quando alguém se achar bom demais, desconfie”, afirmou Dilma ao Estado, sem citar o nome de Marina, com quem já teve atritos quando comandava a Casa Civil. “Eu tinha um amigo que dizia uma coisa muito séria: ‘Todo mundo é chinelão’. Não dá para a gente se achar o rei da cocada preta.”

Misturando “ocê” com “ti”, fruto da origem mineira com a trajetória política construída no Rio Grande do Sul, Dilma comparou a campanha à velhice, que “chega aos poucos”, e demonstrou solidão no Palácio da Alvorada, a residência oficial. “Isso não é humano, né? Tudo distante... Gente é um bicho engraçado, vai procurando o útero materno. Então, eu tomo café lá na dimensão humana (parte superior do Alvorada), depois desço para a biblioteca, subo, desço, subo...”, contou a presidente, rindo, após a série Entrevistas Estadão, em 8 de setembro. “Leio tudo, mas jornal eu prefiro ver no tablet. Na hora em que eu pego o jornal me dá uma alergia do cão. Fico toda vermelha.”

Quem vê Dilma descontraída, falando do mau humor das araras e do barulho das emas, que “não são santas” e correm atrás dela, não consegue imaginar como a ocupante do Planalto é capaz de encarnar momentos de fúria e de expor auxiliares ao constrangimento. Em setembro do ano passado, por exemplo, Dilma deixou o representante do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr., literalmente no gelo em São Petersburgo, na Rússia.

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Batista Jr. aguardou a presidente por horas, no frio, diante da casa onde ela estava hospedada, para acompanhá-la ao Palácio de Konstantinovsky, onde seria realizada a reunião do G-20. Quando saiu, Dilma nem abriu a janela do carro e ignorou o economista, que ficou a pé e foi obrigado a se deslocar numa espécie de carro de golfe até o palácio. Era o troco dado por ela depois que Batista Jr. se absteve na votação de novo socorro financeiro à Grécia, contrariando posição do Planalto.

Nesta temporada, numa campanha marcada por denúncias de corrupção e temas nunca antes explorados, como a independência do Banco Central, a prioridade ao pré-sal e a ligação com banqueiros, o comitê de Dilma atacou em várias frentes para derrubar adversários. Contratou 20 advogados – especialistas em improbidade, contas de campanha, Direito Penal, Civil, Digital e Eleitoral –, apostou na artilharia contra Marina, investiu na guerrilha pelas redes sociais, reciclou propostas de combate aos “malfeitos”, mas não apresentou um plano de governo.

A divulgação de um programa detalhado foi considerada um “tiro no pé” pelo núcleo da campanha, depois que o próprio PT carimbou Marina como mulher de “idas e vindas”, quando ela tirou do papel, a pedido dos evangélicos, a defesa da criminalização da homofobia e do casamento igualitário.

Na cruzada pelo voto, João Santana conseguiu imprimir, a duras penas, uma fisionomia de “mãezona” à candidata. Foi a nova face da “gerente” linha dura, imagem que começou a desmoronar com os protestos de junho de 2013 e sofreu abalo após revelações de corrupção e maus negócios na Petrobrás, na esteira das prisões do mensalão.

Humildemente. Alheia aos escândalos, a professora Ilza Almeida furou o bloqueio dos seguranças para ver Lula mais de perto, no último comício de Dilma, em São Paulo. Eram 20h30 do dia 29 de setembro e ela chorava compulsivamente. No palanque, ao lado do padrinho, Dilma encaixou um “humildemente” em sua despedida, ao pedir um voto de confiança. “Agora sim, Dilmaaaa!”, gritou a mulher, aprovando a estratégia da última semana.

Pesquisas encomendadas pelo PT para moldar o discurso de Dilma sempre indicaram que, apesar do alto índice de rejeição, ela ainda preservava atributos de firmeza, coragem e energia, mas não em São Paulo, o maior colégio eleitoral do País. A joia da coroa passou a ser, então, objeto de intensa ofensiva. Da combinação de virtudes de Dilma nasceu o mote da campanha, “Coração Valente”, com o qual o PT tenta apresentar uma personagem que, de ex-guerrilheira na ditadura, transformou-se em “guerreira” no governo, capaz de enfrentar crises e de tirar o País do Mapa da Fome, mesmo com o pífio crescimento da economia.

Às vésperas da eleição, no entanto, acusações de uso da máquina dos Correios, reveladas pelo Estado, irritaram Dilma. “Isso é um absurdo, pô!”, esbravejou ela. As denúncias somaram-se ao depoimento do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, delator de um esquema de cobrança de propina na estatal para beneficiar aliados. 

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No domingo, após debate na TV Record, Dilma saiu tão contrariada de lá que “esqueceu” no estúdio o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Era ele que a acompanhava, naquele dia, no treinamento de respostas sobre “malfeitos”. Dilma se enfureceu porque não conseguiu direito de resposta quando Aécio a acusou de não se indignar com a corrupção na Petrobrás.

O candidato do PSDB é o atual aluno de aikidô de Olga Curado, a professora que, na campanha de 2010, ensinou a arte do combate a Dilma. Acostumada a sonhar com números e supersticiosa, a presidente suspendeu as aulas para a batalha, mas tem certeza de que vai vencer a guerra. Pelo sim, pelo não, carrega há quatro anos no braço esquerdo uma pulseira de ouro, com olho grego. “É para espantar o mau olhado”, justifica. “Na vida é preciso ajudar a sorte.”

Dilma Rousseff, 66 anos

Estado civil: Divorciada

Partido: PT

Coligação: PMDB, PSD, PP, PR, PDT, PC do B, PROS, PRB

Formação: Economista

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Cargos que já ocupou: Foi secretária do governo de Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, de 1999 a 2002, ministra de Minas e Energia, de 2003 a 2005, e da Casa Civil, de 2005 a 2010; foi eleita presidente em 2010.

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