‘Checagem no WhatsApp pode melhorar’, diz vice-procurador-geral eleitoral

Humberto Jacques admite abusos na disseminação de fake news nas eleições 2018 e cita experiências em outros países para combater desinformação

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Por Rafael Moraes Moura
Atualização:

BRASÍLIA - Em meio à onda de violência registrada entre eleitores no segundo turno, o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques, considera “reprováveis” os casos de hostilidade, defende a apuração rigorosa dos fatos, mas avalia que a situação não está fora de controle. “Nós não estamos em uma guerra”, disse ao Estado. Sobre a disseminação de fake news via WhatsApp, Jacques admitiu que houve abusos e destacou o sistema de checagem de notícias falsas utilizado pelo aplicativo no México como “uma boa prática para que se produza contrainformação”.

Braço-direito da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jacques não vê riscos para a democracia em caso de vitória de Fernando Haddad (PT) ou Jair Bolsonaro (PSL). Abaixo os principais trechos da entrevista.

Humberto Jacques, vice-procurador-geral eleitoral Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Como o senhor avalia o surgimento de tantos casos de hostilidade entre eleitores? As coisas fugiram do controle? Não. Os dois candidatos mais votados nas urnas (Jair Bolsonaro e Fernando Haddad) estão sendo apresentados à reflexão do eleitorado, para que ele decida a qual dos dois se deve confiar a condução do País. Nós não estamos em uma guerra. Estamos em um momento de tomada de decisão em que expomos todas as nossas contradições, as nossas maiores virtudes e os nossos maiores defeitos para que nós nos julguemos.

O que o Ministério Público Eleitoral pode fazer em relação a essas agressões entre eleitores? Todos os fatos que acontecem no País estão ganhando uma conotação eleitoral sem necessariamente terem essa conotação. Todos os episódios de violência, quer no período eleitoral, quer no período não eleitoral, são reprováveis. E todos eles são sempre apurados e sancionados, mas não necessariamente todos são políticos, apesar de poderem ter repercussão no campo da política.

O Brasil não caminha para a barbárie? Talvez o Brasil esteja percebendo que ele tem um caminho muito curto até a barbárie. Nós temos chacinas, morte no campo, violência urbana. A convivência com esses elementos, às vezes banalizados, faz com que a distância no Brasil entre civilização e barbárie seja mais curta do que a gente ordinariamente percebe. Entre as cidades mais violentas do mundo estão capitais brasileiras. E o período eleitoral está dando visibilidade para isso. O País está, no período eleitoral, vendo o quanto que existe uma cultura de violência e o quanto que é necessário que isso seja tratado com responsabilidade.

Os eleitores estão sendo muito passionais? Eu não creio. Os eleitores nas urnas foram de uma racionalidade surpreendente para muitos. Ninguém imaginava uma renovação do Congresso desse tanto, o aumento da bancada feminina, um aumento discreto, mas para ser considerado. E é esse eleitor que vai decidir o segundo turno. Não o ruído, o barulho, as radicalizações, que são muito visíveis, mas não necessariamente representativas do conjunto do eleitorado.

O senhor não vê riscos à democracia em caso de vitória de Haddad ou Bolsonaro? Não. A democracia foi aclamada em pesquisa recente de opinião pública como sendo o melhor caminho. O risco que nós estamos correndo é o risco do aprendizado. "Ih, acho que me excedi no WhatsApp", "Ih, acho que a paixão pela política está estragando minhas relações de amizade e família". Mas passada a eleição, se espera um tempo de paz e liderança, em que as pessoas também se reconciliem umas com as outras.

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O Estado mostrou que o presidente do Supremo, Dias Toffoli, defende um pacto republicano com o futuro presidente da República para garantir a governabilidade. O senhor apoia essa iniciativa? O discurso do presidente do STF é o que a gente espera de todo e qualquer estadista no Brasil.

O impacto do WhatsApp na eleição supreendeu o senhor? O WhatsApp é uma comunicação interpessoal, reservada, confidencial, criptografada. Querer invadir, policiar e controlar comunicações interpessoais é algo atentatório ao regime democrático, ainda que você queira fazer isso com a melhor das intenções. Precisamos refrear qualquer instinto de censura. Policiar as comunicações no WhatsApp é algo forte demais.

O que pode ser feito então? Silenciar os grupos de família? (risos) Primeiramente, ninguém deve ter medo de falar e expressar as suas opiniões. Houve abusos? Sim, mas a existência desses abusos não pode autorizar nenhuma reação truculenta, autoritária e que ponha os cidadãos com receio de se expressar. Não pode botar o toque de recolher e uma mordaça nas pessoas. Segunda coisa, não podemos imaginar que o que as pessoas dizem tenham o poder revolucionário sobre a opinião das outras na medida em que as mensagens de teor político tendem a circular entre pessoas que já estão propensas a aderir a elas. Diversamente disso, são aquelas notícias que circulam para gerar no destinatário algum estado de espírito, aproveitando a desinformação. É licito que as pessoas desconfiem do seu cônjuge, da publicidade que veem na televisão, o que não é correto é você alimentar a desconfiança com base em uma coisa não acontecida. Esse tipo de comportamento é sancionável.

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O que pode ser feito em parceria com o WhatsApp? Melhorar as ferramentas da checagem de fatos no WhatsApp. No sistema mexicano, você envia a mensagem recebida via WhatsApp a uma agência de checagem, que apura aquilo e devolve o desmentido para todo mundo que enviou aquela mensagem. Isso é uma boa prática para que se produza contrainformação sobre ruídos em WhatsApp.

A urna eletrônica virou o bode expiatório? O que as pessoas têm de refletir é por que elas desconfiam da urna, e não das pessoas que querem que elas desconfiem das urnas. Quem ganha com o descrédito das instituições, que vantagem há nisso? Passada a paixão das eleições, talvez seja necessário que nós ocupemos melhor o espaço de desinformação sobre as urnas, para que as pessoas possam, por si próprias, retiraram de seu imaginário figuras de uma vulnerabilidade não existente nesse processo.

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