Candidata por acaso

Sob fortes ataques dos adversários, principalmente de seu antigo partido, o PT, candidata do PSB tenta segurar um eleitorado que aderiu ao projeto da ‘nova política’ em meio à comoção pela morte de Campos

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Por João Domingos
6 min de leitura

BRASÍLIA - Candidata a presidente da República por acaso, no lugar do ex-governador Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo no dia 13 de agosto, a ex-ministra Marina Silva chega à eleição quase do mesmo tamanho com que a deixou em 2010, quando teve cerca de 20% dos votos numa candidatura pelo PV. De acordo com as pesquisas eleitorais divulgadas neste sábado, 4, pelo Ibope e pelo Datafolha, Marina tem 24% das intenções de votos. 

O índice avançou muito enquanto o eleitor esteve sob a forte emoção da morte de Campos. Mas depois desidratou com o início dos ataques teleguiados de Dilma Rousseff. A campanha da ex-ministra sofreu o desgaste de uma artilharia incessante partindo do lado petista.

Marina lutou nas redes sociais para garantir votos. Afirmou pelo microblog Twitter que é a única capaz de vencer Dilma no 2.º turno, por ter potencial de voto maior do que o de Aécio Neves. Afirmou ainda que, com dez minutos na TV na próxima rodada, “vai restabelecer a verdade” e retomar os votos que já teve e perdeu. Ela lembrou que, em 2010, Dilma teve 11 milhões de votos à frente do tucano José Serra no Nordeste e que só ela é capaz de se contrapor a Dilma na região. 

Marina lutou nas redes sociais para garantir votos. No Twitter, disse que é a única capaz de vencer Dilma Foto: Intervenção gráfica de Fabio Sales sobre foto de Eduardo Nicolau/Estadão

Com idas e vindas na divulgação do programa de governo, rejeição a alianças estaduais feitas por Eduardo Campos com governadores do PSDB para a construção de palanques nos Estados, Marina não só esnobou a oferta de apoio dos governadores tucanos Geraldo Alckmin, de São Paulo, e Beto Richa, do Paraná, ambos favoritos para vencer no 1.º turno, como também proibiu que fotografias dela fossem impressas ao lado das deles. Em São Paulo, o veto caiu quando o PSB percebeu que a negativa da aliança estava causando prejuízos.

Mesmo com a atitude do PSB, Marina não cedeu. No dia 22 de setembro, em Curitiba, perguntada se havia mudado de posição em relação à aliança com Alckmin, Marina respondeu que não tinha nada a ver com a confecção do material de propaganda. “Essa decisão não passou por mim. O PSB tem uma coligação no Estado com o PSDB. O material é produzido pelo PSB, que quer fazer minha campanha e a campanha do partido no Estado. Eu não tenho nenhuma responsabilidade a respeito dessa decisão”, disse na ocasião ao Estado.

Marina continuou dando mostras de que não mudaria de posição, embora fosse a candidata do PSB. “Quando fui para o PSB, eu e o Eduardo Campos combinamos que, onde não houvesse acordo com a Rede, eu não faria campanha para o candidato da coligação com o PSB. Foi o que houve em São Paulo. Eu disse que não subiria no palanque do governador Alckmin e não estou subindo”, afirmou. No Paraná, Marina também não aprovou a aliança entre o PSB e o PSDB. 

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Em seguida, Marina viajou para Florianópolis. Lá, subiu no palanque do deputado Paulo Bornhausen (PSB), que concorre ao Senado. Bornhausen é de uma das mais tradicionais famílias catarinenses, filho do ex-senador Jorge Bornhausen, que foi presidente do PFL. Em 2005, durante o escândalo do mensalão, Bornhausen afirmou que o Brasil teria a oportunidade de “ficar livre da raça do PT pelos próximos 30 anos”. Indagada sobre os laços familiares de Paulo Bornhausen, Marina respondeu que pretende governar com os melhores e que há boas pessoas em todos os partidos. “O Paulo é herdeiro de um nome, de um pai que tem um posicionamento político. Não vou dizer que uma pessoa, por ter um laço de parentesco, deve ser punida ideologicamente por isso.” 

A Rede Sustentabilidade, grupo de Marina que atua dentro do PSB por não ter conquistado o registro partidário no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tentou até o fim impor a candidatura da ambientalista Miriam Prochnow ao governo do Estado. Mas Eduardo Campos preferiu fazer acordo com o tucano Paulo Bauer. 

Sectária. Posicionamentos desse tipo fizeram com que Marina mantivesse a fama de sectária. O ambientalista João Paulo Capobianco garante que ela não é intolerante, que respeita acordos e que defende posições tidas por ela como certas. Para Capobianco, o que há é forte preconceito contra Marina pelo fato de ela ser evangélica. “Existem tabus, entre eles, o de que ela não gosta do agronegócio. Ninguém é melhor para o agronegócio do que Marina, pois ela defende a sustentabilidade do setor e todos sabem que Europa e Estados Unidos só compram produtos produzidos de forma sustentável. E existe também o preconceito por Marina ser evangélica. Mas ela nunca mistura política com religião.”

Desde que se aliou a Campos, a ex-ministra sabia que era muito mais conhecida que o ex-governador. Tanto que numa pesquisa do Datafolha em junho de 2013 – uma das últimas em que apareceu como candidata numa disputa eventual com o ex-governador de Pernambuco, feita depois das manifestações que levaram mais de um milhão de pessoas para as ruas naquele mês –, a ex-ministra registrou a preferência de 23% dos eleitores, contra 7% de seu futuro companheiro de chapa. 

Nos três dias posteriores à morte de Campos, Marina adotou uma postura quase messiânica. Fechou-se no apartamento em que mora, em Moema, zona sul de São Paulo, e pediu que nenhum assessor falasse com ela sobre política. 

Marina só se manifestou no dia 16, no voo que a levou a Recife para o enterro de Campos, quando disse que a morte do companheiro exigia dela uma atitude de “responsabilidade”, além de atribuir a uma “providência divina” o fato de não ter morrido com Campos, visto que deveria ter pegado o mesmo avião do Rio de Janeiro para Santos. 

Traição. As súbitas mudanças de humor de Marina costumam deixar assessores atarantados. Quando começou a ser atacada pelo PT – a munição se compôs de argumentos como o fato de a candidata ter como coordenadora de seu programa de governo Neca Setubal, acionista do banco Itaú –, Marina comentou com assessores que se sentia traída e estava triste. Lembrou que militara por mais de duas décadas no partido, ajudara a ganhar a eleição no Acre e que, por muitos anos, a cor vermelha do PT foi a cor de sua casa. Até os sapatinhos dos filhos – Danilo, Shalon, Mayara e Moara – eram vermelhos. 

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A candidatura de Marina surgiu por caminhos improváveis. Ela vinha se preparando para disputar a sucessão presidencial, tendo por adversário o próprio Campos. Mas não conseguiu fundar a Rede e decidiu entrar no PSB. Durante o período em que se preparou para ser candidata, participou de dezenas de palestras de especialistas em todas as áreas convidados pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), fundado por ela e por companheiros como Capobianco, Neca Setubal, Bazileu Margarido, Guilherme Leal e Eduardo Giannetti da Fonseca. Chegou a montar um programa com sete eixos: política cidadã de princípios e valores; educação para a sociedade do conhecimento; economia para uma sociedade sustentável; proteção social; qualidade de vida e segurança para todos; cultura e fortalecimento da diversidade; e política externa para o século 21. A partir desse esboço, PSB e Rede montaram o programa entregue ao TSE.

Guru. Numa das rodas de conversa patrocinadas pelo IDS, Marina se encontrou com o escritor americano Jeremy Rifkin, que logo se tornaria um de seus gurus. Os dois trocaram tantas ideias que, em 2012, Marina foi chamada a fazer o prefácio para a edição brasileira de A Terceira Revolução Industrial, de Rifkin. No livro, o americano diz que a internet é uma ferramenta de democratização da informação, não só permitindo maior acesso ao que é produzido por governos, empresas e academia, mas também – e principalmente – permitindo que todos sejam produtores de informação. Para Marina, é uma ideia poderosa, que pode ser aplicada na política. “É no campo político que estão nossos maiores desafios. Somos capazes de produzir os necessários avanços que nos ajudam a transitar do imediatismo das políticas de curto prazo – feitas sob medida para alongar o prazo dos políticos – para as necessárias políticas de longo prazo, independente do governante de plantão?”, perguntou ela no prefácio da obra. 

No período de estudos sobre o século 21, Marina se encontrou com outro pensador que seria incluído na lista dos que a influenciam: o professor da Universidade Federal do Rio Carlos Nepomuceno, doutor em Ciência da Informação. Ele disse que entre as ideias de Marina está a criação da Secretaria de Participação Digital, para que o cidadão possa debater o governo pelo celular e pelo computador.

“A nova política usará o digital para fortalecer a democracia no século 21.” Segundo ele, Marina busca trazer o “capitalismo tropical” para o Brasil. “Ou seja, algo que consiga, via tecnologia, transformar miséria em talento, talento em riqueza e riqueza em distribuição de renda.”

Marina Silva, 56 anos

Estado civil: Casada

Partido: PSB 

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Coligação: PPS, PRP, PPL, PHS E PSL

Formação: Historiadora

Cargos que já ocupou: Foi vereadora em Rio Branco de 1989 a 1990, deputada estadual do Acre de 1991 a 1994, senadora de 1995 a 2011, todos os cargos pelo PT, ministra do Meio Ambiente do governo Lula de 2003 a 2008.

 

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