Análise: Rafael Mafei e Rubens GlezerIniciado o voto revisor no julgamento da terceira "fatia" do chamado processo do mensalão, vai se mostrando possível a concretização de um cenário que contraria o senso comum a respeito da justiça penal brasileira: alguns réus de menor importância têm escapado das condenações, ao passo que os de mais destacada posição social - empresários, banqueiros e até um ex-presidente da Câmara dos Deputados, segunda figura na linha sucessória da presidência - têm sofrido implacáveis condenações, pairando sobre alguns a possibilidade de altas penas. A exceção foi o ex-ministro Luiz Gushiken, em relação ao qual a própria acusação reconheceu incabível a condenação.Logo na apreciação de uma questão de ordem, o Supremo Tribunal Federal anulou o processo em relação ao réu José Roberto Quaglia, prejudicado por equívoco burocrático do tribunal. Nas manifestações dos ministros, a gravidade do vício processual foi ponderada juntamente com a precária situação financeira do acusado que, inclusive, teve que contar com a defesa gratuita da Defensoria Pública da União. Na segunda fatia do julgamento, o tribunal absolveu a ex-funcionária do Banco Rural Ayanna Tenório. Considerou que, a despeito de ocupar cargo relevante na hierarquia do banco, ela fora lá colocada precisamente por sua falta de conhecimento técnico. Um dos ministros sintetizou esse juízo ao rotulá-la de laranja.Ontem, o ministro do STF Ricardo Lewandowski reservou um longo trecho de seu voto para considerar a peculiar situação de Geiza Dias, objeto da memorável sustentação oral na qual foi qualificada pelo próprio advogado como "funcionária mequetrefe". Lavagem de dinheiro. O ministro Lewandowski considerou que condená-la pelo crime de lavagem de dinheiro seria equivalente a condenar um frentista por ter abastecido o carro de um motorista criminoso. Os réus até aqui absolvidos o foram, convém lembrar, por falta de provas. Se o Supremo entendeu que não havia provas contra os menores, mas as havia quanto aos maiores, pode-se inferir que a acusação centrou esforços nos réus de maior relevo político e econômico, seja quanto à quantidade de acusações, seja quanto à reunião de provas (judiciais e extrajudiciais) a eles relacionadas. Se o acontecido até aqui permite desenhar hipóteses para o futuro do julgamento, réus como assessores e secretárias, que serão julgados em breve, podem ter esperanças de escapar daquilo que, quanto aos acusados de maior prestígio, tem se desenhado, nas palavras de um defensor, como um massacre condenatório.