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A vida fora do Bolsa Família

Falta de bom emprego e da garantia de não o perder impede beneficiários de sair do programa

Por Adriana Carranca
Atualização:

Se há uma certeza nos planos de governo dos três principais candidatos à presidência, chama-se Bolsa Família. As propostas apresentadas até agora tratam de ampliar e garantir a continuidade do programa, que chega a 13,9 milhões de famílias ou algo como 50 milhões de brasileiros – eles representam 23% do eleitorado. Faltam ideias e propostas orçamentárias concretas, no entanto, sobre como tornar os beneficiários menos dependentes da ajuda, as chamadas “portas de saída”.

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Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) propõem transformar o programa em política de Estado, perpetuando sua existência, mesmo com as alternâncias de governo. Marina promete, ainda, incluir mais 10 milhões de famílias como beneficiadas do programa, o que, na prática, significaria aumentar o teto de renda familiar (R$ 154 mensais por integrante das famílias com filhos menores e R$ 77 per capita para casais sem filhos) usado hoje como critério para o ingresso no programa.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, são cerca de 300 mil as famílias que atendem aos critérios atuais, mas ainda não recebem o benefício, porque não se cadastraram. Ampliar o alcance do Bolsa Família para estas famílias, que ainda precisam ser localizadas e inseridas no Cadastro Único, a porta de entrada do Bolsa Família, é uma bandeira da presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição.

Quem saiu. Desde o início do programa, em outubro de 2003, apenas 1,7 milhão de famílias beneficiadas deixaram o Bolsa Família espontaneamente, por avaliarem já não precisar mais do benefício do governo. Representam pouco mais de 10% dos atendidos hoje. Não é possível saber, porém, se eles voltaram ao programa mais tarde. Lançado no ano passado, o chamado “retorno garantido” permite às famílias que se desligaram do programa voltar a receber o repasse automaticamente, caso fiquem desempregados dentro de 36 meses.

A medida foi considerada positiva por especialistas porque tira das famílias o temor de se desligar do programa e não conseguir mais ajuda, caso voltem ao patamar de renda anterior. Eles lembram que o ingresso dos brasileiros com o perfil dos beneficiários do Bolsa Família muitas vezes é frágil e muitos perdem o emprego pouco depois de conseguirem uma vaga, muitas vezes por falta de qualificação adequada. O gargalo do Bolsa Família está aí.

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“É importante a política do retorno garantido, porque tira das famílias o medo de não mais receberem o benefício se alguém ficar de novo desempregado”, diz a pesquisadora Ana Fonseca, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp, que coordenou a implementação do Bolsa Família na gestão Lula até deixar o governo em 2004. Mas lembra: “A pessoa é pobre por renda, mas também é pobre por falta de luz, de água...”

Ana Fonseca prossegue: “Ouvi outro dia de um homem que acabara de se tornar eletricista: ‘Se eu tivesse tido essa oportunidade antes, não seria eletricista, mas engenheiro elétrico’. Essa avaliação de que o pobre quer ser dependente de ajuda, que não quer trabalhar, é muito errada. O que vejo é pessoas agarrando as oportunidades com unhas e dentes. Pelo menos 70% dos beneficiados do Bolsa Família trabalham. O que não conseguem é renda suficiente.”

É preciso, portanto, criar oportunidades e melhorar a qualidade do trabalho. “Mas o ensino técnico e as alternativas no mercado de trabalho não acompanharam o Bolsa Família”, diz Ana. A aposta da presidente Dilma Rousseff para ser a porta de saída do Bolsa Família é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), mas o objetivo é capacitar apenas 1 milhão dos quase 50 milhões de brasileiros atendidos no Bolsa Família até 2018. O programa de Marina Silva também fala em empreendedorismo e incentivos a microcrédito. “As políticas de transferência de renda na América Latina são ainda muito novas. Só se começou a olhar de forma mais ampla para a pobreza agora”, completa Ana.

Acabar, não. Para ela, pensar no fim do programa é errado. “Os países desenvolvidos gastam o equivalente a 0,5% do PIB, mesmo patamar de custo do Bolsa Família hoje, com programas de assistência aos mais pobres. Essas políticas precisam evoluir e não deixar de existir.”

Ela aponta para alguns efeitos positivos, como acompanhar a permanência dos beneficiados na escola, a vacinação das crianças e o pré-natal das mães, condicionalidades do programa. O Bolsa Família, ao qual o antigo Fome Zero foi incorporado, teria ajudado a tirar o Brasil do mapa da fome, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)– a maior parte do dinheiro recebido pelas famílias vai para alimentação.

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O relatório aponta ainda o efeito direto do programa na renda, o que ajudou o Brasil a reduzir o número de pessoas em situação de extrema pobreza para 3,5% em 2012 e o de pobres para 8,4%.

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Longo prazo. Para o professor de Políticas Públicas do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília, Aninho Mucundramo, no entanto, estes são efeitos imediatos, mas faltam estudos sobre o impacto do Bolsa Família no longo prazo.

“O problema é quando tratamos um programa como este destacado das outras políticas públicas. Não se resolve a pobreza com política macroeconômica apenas, mas ela ajuda.” Da mesma forma, diz ele, “é boa a política de valorização do ensino superior, mas ninguém sai da universidade profissional. É preciso criar alternativas para colocar esse cidadão mais rapidamente no mercado de trabalho. Melhorar a qualidade do ensino fundamental. Assegurar moradia. São políticas que potencializariam os efeitos do Bolsa Família”, acrescenta o professor.

Ao contrário da pesquisadora da Unicamp, Mucundramo defende que “toda política pública tem de ser desenhada para deixar de existir”. “Não dá para criar uma política eterna. Mas as alternativas para que ela deixe de ser necessária não estão na própria política pública, e sim em outras que precisam acontecer”. E adverte, ao final: “É este o desafio agora”.

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