A lógica do eleitor

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Por CARLOS MELO - CIENTISTA POLÍTICO e PROFESSOR DO INSPER
Atualização:

Em São Paulo, há uma inevitável ambiguidade no processo eleitoral. Questões nacionais misturam-se com a funcionalidade da metrópole, com a qualidade de vida dos moradores. As campanhas oscilam nessa tensão: ora nacionalizam o debate e ultrapassam a natureza municipal da disputa; ora vão ao cerne da vida metropolitana - saúde, moradia, saneamento, transporte, educação e segurança -, abrandando a disputa nacional. Mas, ao fim, a lógica do eleitor é a que se impõe, imbatível.Em 2012, o debate não foi um monumento à cidade e a seus problemas. Neste aspecto, os candidatos poderiam ter dado mais. Ainda assim, a campanha chega ao fim com avanços: mais do que para a aventura ou o conservadorismo tradicional, o eleitor voltou-se para a qualidade de políticas públicas que afetam sua vida: a realidade dos postos médicos, das passagens de ônibus, das creches, das escolas. Temas que as elites, autossuficientes em relação à maioria dos serviços públicos, ignoram.A verdade é que a cidade não funciona ou funciona muito mal. Culpa de quem? Não importa. A cidade se fez fazendo, sem se pensar; cresceu sem cuidados. Como pôde ficar tão grande sem que ninguém a contivesse ou a preparasse? Se passarmos a vida toda em São Paulo, jamais saberemos que um "quarteirão" deveria ser, em tese, um "quadrado". Trata-se de uma cidade em que virar à direita na intenção de retornar pode levar à Serra do Mar, sem volta. A "locomotiva", a "maior cidade", coisa e tal deixou de ser motivo de orgulho. Quem vive e depende da cidade, dos serviços e de sua dinâmica, sente mais seu desconforto. A enorme massa de pessoas - os pobres, reivindicados por José Serra e Fernando Haddad - que está nas periferias e nos diversos centros - sim, há vários centros e periferias que se aproximam e se distanciam, se invadem e se repugnam - sabe, melhor que suas elites, do que precisa. Importante que essa massa tenha expressado o conhecimento prático e, assim, obrigado os candidatos a se posicionarem, por mínimo que fosse, a respeito das garantias de qualidade de vida que podem oferecer a quem pedem voto. Fez isso enquanto pequena parte de outros eleitores, arraigada a preconceitos, ódios e desavenças, se digladiava por motivos, literalmente, menos concretos - elevados, talvez, mas abstratos para quem carece de quase tudo, a começar pelas vitais saúde e segurança. Com efeito, não é salutar que se vote sem considerar a qualidade da gestão e a lisura dos atores. Mas há tantos "entretantos": quem pode, de verdade, assegurar o monopólio da virtude? Quem ousou se arrogar desta condição se deu mal. Pode-se condenar um partido inteiro - qualquer partido - indefinidamente? O senador que o fez, da forma mais virulenta, mordeu a língua. Quantos ainda não a morderão? Por que descartar a possibilidade de depuração nos partidos políticos?Na ambiguidade em que é jogado, o eleitor é um pragmático imbatível. Embora melancólica, sua lógica é clara: "todos os partidos parecem ter problemas e mensalões a explicar; numa eleição municipal, este não pode, então, ser o 'xis' da questão". Ademais, seria igualmente estranho se o eleitor fosse às urnas sem se importar, antes de tudo, com a efetividade das políticas públicas que mais diretamente o afetam. Ninguém pode ser censurado por votar de acordo com seus interesses.A eleição chega ao fim, enfim, com as ambiguidades naturais. Mas, ainda assim, de modo muito melhor do que, inicialmente, parecia capaz de fazê-lo. A cidade demonstrou sabedoria, desqualificando aventureiros, não dando maioria a partidos que se arrogam seus donos - no 1.º turno, 57,5% não votaram nem no PT, nem no PSDB; exigiu que ambos se explicassem um pouco mais. Ao mesmo tempo, qualificou os que mais tinham a dizer em realizações e políticas públicas. O saldo é positivo, pois aos poucos se vai ao longe.

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