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A eleição em que é urgente ter lado

Desde 1989, não se via tanto engajamento de artistas e do cidadão comum

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Por Roldão Arruda
Atualização:

Ainda não é possível saber o quão divididos estarão os brasileiros após a votação deste domingo. A resposta virá após a apuração dos votos, ao final do dia. O que já está claro, no entanto, é que o Brasil vai sair muito mais assumido. Desde a campanha presidencial de 1989, disputada no 2º turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, não se via tantas pessoas assumindo publicamente suas preferências políticas e eleitorais quanto agora. De grandes estrelas da MPB a ícones do futebol, de artistas de telenovelas a sindicalistas, de famosos a absolutamente anônimos, nas redes sociais que multiplicam vozes pela internet e fora delas, ao vivo, em escolas, restaurantes, nas praças, chamou a atenção nesse pleito a disposição dos eleitores de todo o País para declarar de maneira aberta o seu voto. Foi bastante comum, por exemplo, o caso de professores que, indagados por seus alunos sobre suas preferências políticas, não hesitaram um minuto em apontá-las.

Chico Buarque declara voto a Dilma Rousseff, do PT Foto: Marcos de Paula/Estadão - 12/7/2011

É o caso dos professores Yuri Carajelescov e Ary Oswaldo Mattos Filho. Os dois ensinam na mesma instituição, a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, uma das mais bem avaliadas do País. E os dois não fizeram segredo, em nenhum momento de encontros nos corredores, nos cafés da escola e em conversas pela internet que hoje, diante da urna eletrônica vão teclar números diferentes. Carajelescov, que dá aulas sobre legislação, ficará com o 13, de Dilma Rousseff (PT), e Mattos Filho, do núcleo de direito e negócios da FGV, optará pelo 45, de Aécio Neves (PSDB).Amadurecimento. Para o professor Carajelescov, que tem 42 anos, essa renovada disposição do eleitor para assumir suas preferências sinaliza o amadurecimento da democracia. Na avaliação dele, durante muito tempo os brasileiros conviveram com temores herdados da ditadura. "Naquela época era problemático declarar preferências, porque você podia ser perseguido", diz ele. "Hoje há cada vez mais clareza de que se trata de um exercício de cidadania, que ninguém deve ser glorificado ou punido por isso." O advogado Mattos Filho, de 74 anos, também acredita que a declaração das preferências políticas faz parte do exercício da cidadania. "Eu não saio por aí fazendo declarações, mas sempre que me perguntam eu respondo. Sempre. E nunca perdi nenhum amigo por isso”, afirma. "Se aparece alguém com posição diferente da minha, a gente fala e debate. O mundo tem que ser cada vez mais civilizado."

A atriz Camila Pitanga também declarou seu apoio a Dilma Rousseff Foto: Matheus Cabral/TV Globo/Divulgação

Do alto da experiência de quem já viu eleições desde o período democrático anterior à ditadura instalada em 1964, Mattos Filho diz que uma das coisas mais bonitas do pleito deste ano é justamente o aberto engajamento de setores cada vez mais amplos da sociedade, especialmente dos mais jovens. "Nesse processo estão se formando e surgindo novas lideranças políticas."Problemas. O nível de engajamento ao qual o professor se refere mudou de gradação entre o primeiro e o segundo turno. No primeiro, com mais candidatos na disputa, era menor o número de pessoas dispostas a declarar o voto. No segundo, com a polarização entre as duas propostas de governo esticadas ao ponto máximo, a sociedade tomou partido de forma mais clara. A polarização também favoreceu a radicalização. O sociólogo Marco Aurélio Nogueira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), observa que os dois lados foram tomados por uma espécie de "inflamação irracional", que "inundou as redes" e acabou chegando às ruas. Apesar dos problemas, no entanto, ele afirma que esse processo de exposição e debate é positivo.

Ronaldo se engajou na campanha pela eleição de Aécio Neves Foto: Gabriela Bilo

"Se algum saldo positivo vier a sair destas eleições", observou ele em seu blog sobre questões políticas, "ele incluirá, em lugar de destaque, a oportunidade que todos tivemos de aclarar os campos em que nos encontramos, os limites que estamos dispostos a suportar, as maneiras que escolhemos para discutir política e ideias, os valores que pretendemos cultivar, o quanto achamos que gentileza, respeito e bons modos devem integrar o relacionamento entre humanos." Nesse acelerado processo de desnudamento das posições políticas, a cada ano que passa se tornam mais comuns manifestações de artistas e de outras figuras públicas sobre seu apoio a esse ou aquele candidato. Um dos últimos a desembarcar na arena política no segundo turno foi o jogador do Barcelona e da seleção brasileira Neymar, que declarou apoio ao candidato Aécio. “Não podemos ter medo de nos posicionar”, disse ele em sua página no Facebook. Neymar se juntou a dezenas de outras personalidades que já estavam em campo. Entre outros, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, os três maiores ícones da MPB declararam apoio a Dilma. O apresentador de TV Luciano Huk, o cantor sertanejo Zezé de Camargo e o ator Lima Duarte ficaram com o candidato do PSDB. Nos últimos dias aumentou o número de manifestações, variando de juristas a artistas e esportistas. Não se se sabe o quanto elas influenciam o eleitor. Não há dúvida, porém, de que as essas manifestações, junto com as do eleitor anônimo, animam a festa democrática.

O ator Lima Duarte está entre os apoiadores de Aécio Neves, do PSDB Foto: Luciana Serra/Divulgação
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