A armadilha dos embargos

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Por ANÁLISE: Eloísa Machado , Rubens Glezer e coordenadores do Supremo em Pauta da DIREITO GV
Atualização:

O recurso de embargos infringentes da AP 470 trouxe diversos resultados e o mais notório deles foi a absolvição da acusação de formação de quadrilha dos réus do núcleo político e financeiro do processo. Fruto um pouco mais difícil de ser compreendido é o significado dessa absolvição, em contraste com as condenações mantidas.Não há dúvida de que decisões judiciais podem ser revistas e reconsideradas pelo órgão que as adotou. É lícito e desejável que um juiz ou tribunal possa se sentir livre para reformar uma decisão caso entenda que ela se funda em razões equivocadas. É ambíguo, contudo, se esse é o caso da referida decisão do STF.O que prevaleceu não foi a ideia de revisão, mas de um "disse-e-desdisse" do tribunal. A reforma ocorreu, exclusivamente, em razão da mudança de composição do Supremo - e aí reside parte do problema: os ministros que já haviam votado reproduziram as mesmas razões e, em alguns casos, os mesmos votos proferidos anteriormente.A porção mais problemática, contudo, é oriunda do sentido duvidável do recurso de embargos infringentes: uma armadilha que o STF armou para si. No âmbito jurídico, o foro por prerrogativa de função no STF se tornou uma aberração, em que os embargos infringentes não cumprem com a exigência do duplo grau de jurisdição e tampouco contribuem para que os ministros revisem os votos já proferidos. No âmbito político se fortalece a ideia de que o Supremo pode ser aparelhado por questões de ocasião ou maiorias de circunstância.Ao final, os embargos infringentes contribuíram para o enfraquecimento da legitimidade do Supremo enquanto instituição, reforçando-se a ideia de que se trata apenas de um punhado de ministros.É importante esclarecer: o problema não é chegar a um ou outro resultado e nem sequer à reforma da decisão. O enfraquecimento institucional do Supremo reside no modo como isso ocorreu. Ao reconhecer a existência do recurso de embargos infringentes ele abriu a possibilidade de reforma de decisões através da mudança de composição; para a AP 470 e todas as demais ações futuras do mesmo tipo. Com o erro do Supremo, perdemos todos.

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