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A alegria de quem chegou lá

Por Pablo Pereira
Atualização:

Nesta noite de segunda-feira, quando for receber o canudo do curso de Administração de Recursos Humanos, em São Paulo, a formanda Albani de Jesus Santos terá realizado um sonho. Com 53 anos, separada, sem filhos, com uma renda mensal bruta em torno de R$ 1,5 mil, Albani encerra dois anos de dedicação ao tardio projeto de qualificação profissional que a colega dela, Maria Aparecida Correia, de 55 anos, viúva, três filhos e quatro netos, cerca de R$ 1,8 mil mensais para gastar, também persegue nas aulas de Serviço Social da mesma faculdade, no bairro Barra Funda, região oeste de São Paulo. Na última quarta-feira, conversando diante do prédio, elas concordavam que valia a pena o sacrifício noturno, após o dia cheio na labuta, não só como busca de conhecimento, mas, e principalmente, como um degrau a mais para melhorar de vida.

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Cheias de planos e expectativas para o futuro, Albani e Maria Aparecida seguem um roteiro conhecido por cerca de 56% da população brasileira, gente que vive com uma renda individual que vai de R$ 320 a R$ 1.120, ou R$ 4,5 mil em família, e nos últimos anos tem sido chamada de nova classe média brasileira. “Eu me dediquei às aulas e não tenho faltas nos quatro semestres do curso”, conta Albani. Preparada para a colação de grau com mais 70 pessoas da turma, ela explica que a busca por formação depois dos 50 anos decorreu do desejo e da necessidade de capacitação profissional. “Não tive oportunidade de completar os estudos antes. Agora tenho”, diz.

Comemorando a superação do sacrifício diário – depois de uma jornada de trabalho das 9 às 15 horas, ela enfrentou quatro semestres com aulas das 19h30 às 22h30 –, Albani se emociona: “Quando você vê o livro do TCC concluído, com 105 páginas, parece que está vendo um filho.”

Moradora do bairro Casa Verde, onde paga aluguel, ela trabalha na empresa Vivo e não tem carro. Albani não esconde seu orgulho por ter vencido a batalha. “Quero agora planejar meu futuro”, diz. Na esperança de conseguir ganhar mais, ela sonha com uma colocação superior na empresa ou, quem sabe, até uma oportunidade de voo independente, como consultora de RH. “Seria a realização de mais um sonho”, afirma.

É também essa a expectativa da colega, a funcionária da prefeitura de Santo André que toda noite viaja de Mauá, onde mora, até a Uninove. “Não tive oportunidade para fazer isso antes”, conta Maria Aparecida. “Venho de trem e metrô.” Ela não tem carro. Ao fim da aula, às 22h45, a volta para casa demanda metrô, trem e mais um ônibus. 

Sorriso novo. “É bem comum a procura dos nossos serviços por pessoas dessa faixa econômica”, resumiu na quinta-feira o dentista Renato Pinto, sócio da clínica odontológica Pro Sorriso, na zona norte. No consultório, Zilda Maria da Silva acabara de ver o filho, Lucas, de 14 anos, ser examinado no tratamento de aparelho de correção para os dentes que faz há três anos. “Não deu para fazer quando ele era menor, só quando consegui emprego de babá”, contou a mãe, ao lado do garoto, que cursa a 7.ª série, é fã do Guns’N’ Roses, toca baixo e estuda música. “Não é fácil, mas a gente não pode desistir”, argumentou a mãe, que vive com uma renda familiar de R$ 3,5 mil mensais.

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