Protesto-ônibus

São Paulo está na vanguarda dos protestos. Foi o local da primeira manifestação, dos primeiros atos de vandalismo, do primeiro bombardeio da polícia, do recuo público dos governantes, do confronto entre os manifestantes e, agora, da tentativa de fazer os jovens voltarem da rua para o Facebook.

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Por Redação
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Mas depois que a pasta de dentes saiu do tubo é impossível colocá-la de volta. A decisão do Movimento Passe Livre de não convocar mais protestos é simbólica. E só. O efeito prático é quase nulo. Porque o vácuo de lideranças já está sendo preenchido por inúmeras tentativas de apropriação do movimento - à direita e à esquerda, e, obviamente, pelos próprios políticos.

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O protesto do ônibus virou um protesto-ônibus de reivindicações personalizadas. Mais do que difusas, são díspares. É o skinhead neofascista ameaçando a militante feminista. É o punk anarquista querendo invadir a sede do governo tucano enquanto o filho de pai rico quebra a sede da prefeitura petista. É o revoltado de casaco de couro mordendo bandeira vermelha na avenida Paulista.

Daqui para frente, dois cenários são possíveis: o movimento sucumbe sob o peso das próprias contradições, ou as marchas se dividem em rumos opostos e fins antagônicos - o que pode multiplicar a violência. No primeiro cenário, uns perdem mais que outros, mas não há nocaute. No segundo, tendem a ganhar - se tiverem êxito - as forças que conseguirem restituir a ordem.

São Paulo foi vanguarda também na segunda-feira quando o movimento tomou pelo menos três rumos diferentes, antecipando a falta de objetivos comuns. A diferença é que se os diversos braços dos protestos voltarem a se encontrar daqui para frente, não é provável que seja com a mesma harmonia demostrada sobre a ponte estaiada na noite de segunda. As diferenças vão aparecer.

No rastro dos passantes fica o ressentimento com o sistema partidário, o germe da ideia sedutora mas perigosa de democracia direta, e os escombros de bens públicos - entre eles, a imagem dos políticos e a popularidade de governantes.

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Perde mais quem tem mais a perder. Se um partido tem de 20% a 30% de preferência dos eleitores e os outros não chegam a 10%, essa sigla é o grande perdedor da proposta - feita na tribuna do Senado por Cristovam Buarque (PDT-DF) - de "abolição de todos os partidos políticos oficiais". Não à toa, parte de um ex-petista.

O PT deu um tiro no pé quando aquietou os movimentos sociais para não atrapalhar sua estadia no poder. Perdeu capacidade de mobilização e o protagonismo nas ruas. "Onda vermelha" por ora, só em hashtag do Twitter de seus burocratas.

Não há mais unanimidades aparentes. As contradições da sociedade brasileira mais do que aparecer, começaram a se manifestar. Fica difícil para a presidente agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo. As aspirações dos emergentes não são as mesmas dos que emergiram há décadas. O interesse de quem pegou o ônibus agora conflita com o de quem já estava sentado junto à janela.

Dilma perdeu aprovação de cima para baixo na escala de renda. Terminou o flerte com a classe média estabelecida, típico da primeira metade do mandato. E a separação é litigiosa.

O declive por onde escorrega a popularidade da presidente aumentou com os protestos. Como eles, vai das metrópoles para o interior. Está concentrado no centro, mas respinga na periferia. Ainda é incerto onde vai parar, qual o tamanho do bastião de sua resistência. Para sua sorte, Dilma tem capital para gastar.

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Como o poder não admite vácuo, rivais de dentro e fora do governo aproveitam os protestos para desgastar esse capital mais rapidamente - com um olho no agora e outro em 2014. Ainda é cedo, mas os cartazes das ruas vão acabar desaguando em slogans eleitorais. Do "volta Lula" ao "Joaquim Barbosa presidente", não faltará quem tente pegar carona no protesto-ônibus.

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