Lições da Trumplândia

A eleição presidencial nos EUA é um curso intensivo de comunicação, ciência política, estatística e mídias sociais.

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Por Jose Roberto de Toledo
Atualização:

1- O candidato que aparece mais - não importa como - está sempre em vantagem. Ao contrário do Brasil, onde ao contribuinte sobra a fatura, na Trumplândia, a propaganda eleitoral na TV é paga pelas campanhas e custa caro. Espaço de graça na mídia é mais do que objetivo, é necessidade. Nunca um candidato conseguiu tanta exposição grátis quanto Trump. Não importa que ele mentisse descaradamente e cultivasse o ultraje como programa de governo.

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Quanto mais absurdas as declarações, mais Trump aparecia. Os meios tentaram tratar coisas diferentes como iguais e acabaram potencializando a celebridade do republicano. Só deu Trump. Mas engana-se quem acha que ele foi apenas um clown.

2- A globalização da economia não marginalizou apenas países. Parte das populações de potências como os EUA e a Grã-Bretanha ficaram pelo caminho, perderam seus empregos e seu status. Enquanto o noticiário enfatizava suas patetices, Trump vendia uma mensagem clara aos industriários desempregados do Meio-Oeste dos EUA: "vou trazer seus empregos de volta e vou assegurar os que sobraram com medidas protecionistas".

O localismo do seu discurso criou empatia com um eleitor ignorado pelas elites metropolitanas, desempregado pela China e desprezado por Washington. Em comparação a 2012, o republicano virou Michigan, Pensilvânia, Ohio e Wisconsin. Como previu o cineasta Michael Moore quatro meses antes da eleição, Trump foi o coquetel Molotov jogado contra os defensores da globalização. Esse eleitor votou pragmaticamente em seus interesses.

3- O eleitor engajado vale por dois. Não só ele se abstém menos de votar, como se dispõe a arrastar outros consigo. Trump cultivou uma militância dedicada, combativa e às vezes violenta. Um candidato que não empolga, como Hillary Clinton, motiva muito menos gente a enfrentar filas e dificuldades para votar, além de dar poucos argumentos para seus cabos eleitorais. O "melhor" para poucos pode valer mais que o "menos pior" para muitos.

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4- A mídia tradicional não elege presidentes. Mesmo com o apoio declarado por quase todos os jornais importantes dos EUA, Hillary fracassou. Talvez porque a penetração dos jornais seja cada vez menor. Publicações do interior - onde Trump ganhou de lavada - estão desaparecendo ainda mais rapidamente que o resto. Menos repórteres na rua, menos antenas com a sociedade.

5- As mídias sociais desintermediaram a relação do candidato com o eleitor. Sua ligação é direta desde 2008. Jornais e telejornais insistem em repetir o que o candidato diz e caem na armadilha do trumpismo: quanto mais absurda a frase, mais espaço ela ganha. A mídia se esquece que, em se tratando de políticos, aquilo que dizem sempre importa menos do que aquilo que fazem.

6- As pesquisas erraram? Menos do que se pensa, mas erraram em cascata. As nacionais previram que Hillary teria mais votos que Trump, e ela teve (embora menos que o previsto). O erro na margem nas nacionais não teria causado espanto se não tivesse se repetido nas pesquisas nos Estados decisivos - com o agravante de estas terem apontado vantagem apertada para a perdedora.

As pesquisas não coletaram a intenção de voto da parte do eleitorado de Trump que entrou na espiral do silêncio (quem se envergonha de declarar o voto ou se recusa a responder). A esse erro se sobrepuseram os modelos estatísticos de previsão. Apesar de parecer o contrário, eles somam incerteza em vez de subtrair.

E o Brasil, qual lição pode dar à Trumplândia?

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Em um país rachado, se o eleito renega seu discurso de campanha, ele se arrisca a perder quem tinha, não ganhar quem não tinha e ficar perigosamente isolado. Trump é escravo de sua boca.

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