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"Designated Survivor" à brasileira

Nova série de TV gringa explora o drama do único e predestinado sobrevivente do governo dos EUA após ataque catastrófico que elimina de uma só vez o presidente, seu vice, os principais ministros - além da cúpula do Congresso e a Suprema Corte. Ele fora escolhido com antecedência para ficar escondido. Sem a paranoia da Guerra Fria nem o trauma do 11 de Setembro, no Brasil não há precaução similar. Mas, diante do avanço das negociações para a delação da Odebrecht, seria oportuno haver.

Por Jose Roberto de Toledo
Atualização:

Nos EUA, o "sobrevivente designado" é levado para local secreto longe de Washington durante o discurso anual que o presidente faz no Capitólio e que é conhecido por "o estado da União". Nessa ocasião, toda a cúpula do poder político norte-americano se reúne com pompa em um local fechado e restrito por horas. É a oportunidade perfeita para um atentado terrorista devastador.

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Até os ataques simultâneos às Torres Gêmeas e ao Pentágono, o protocolo era tratado como aborrecida obrigação. Pelo relato do "Washington Post", o "designated survivor" de 1997, o ministro da Agricultura Dan Glickman, passou aperto, tamanho o descaso.

Ele foi levado pelo Serviço Secreto ao apartamento de sua filha em Nova York, enquanto todo o resto do gabinete assistia pessoalmente ao discurso de Bill Clinton no Congresso. Finda a cerimônia, Glickman procurou os seguranças para voltar para casa. Tinham partido sem avisá-lo. Ficou na calçada, debaixo de chuva, tentando chamar um táxi. Não havia Uber na época.

Nos últimos 15 anos, porém, a operação envolvendo aquele que é escolhido para sobreviver passou a ser levada mais a sério. Detalhes como local do esconderijo, aparato de segurança e o que o "sobrevivente" fez ou deixou de fazer são segredos de Estado.

Sabe-se apenas que o escolhido precisa ter mais de 35 anos e ser nascido nos EUA. A regra tem alguns detalhes bizantinos. Se o sobrevivente for o ministro da Habitação, e, por acaso, o ministro das Relações Exteriores estiver no exterior e também sobreviver, este último será o novo presidente - apenas porque seu cargo foi criado antes que o do outro.

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Há pouco tempo, os EUA passaram a ter um segundo "designated survivor" entre deputados e senadores. Sua missão é ajudar seu par a reconstruir o poder. Dado o espírito do tempo, melhor adaptar a regra por aqui. No Brasil, a ameaça de aniquilação da cúpula política não vem do exterior. É doméstica, bem familiar.

Diante das centenas de nomes de políticos brasileiros que constam das planilhas do setor de "operações estruturadas" - a central de propinas da Odebrecht -, talvez fosse a hora de começar a pensar em um protocolo de "sobrevivente escolhido".

Piada? Não faz muitas semanas o Brasil se viu à beira de ser presidido pelo deputado Waldir Maranhão (PP-MA). Não era terrorismo, mas a perspectiva provocou terror em Brasília. Foi necessário improvisar um esquema para evitar que a linha sucessória chegasse ao presidente da Câmara então em exercício.

É melhor estar preparado para a hipótese de a Polícia Federal e os procuradores da República abrirem os ouvidos a tudo o que Marcelo Odebrecht e executivos do grupo quiserem dizer, sem restrições de tempo, governo ou coloração partidária. É difícil? Sim, mas já pareceu impossível. Ninguém previu o 11 de Setembro.

Duro mesmo seria escolher o sobrevivente designado, seja na Esplanada dos Ministérios ou no Congresso - especialmente se os pretendentes a delator confirmarem os apelidos que constam ao lado dos valores nas planilhas apreendidas. "Atleta", por exemplo, estaria automaticamente excluído da linha sucessória. O ministro equivalente ao "designated survivor" da série também.

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De exclusão em exclusão, não seria surpresa se a escolha do presidente sobrevivente recaísse sobre um nome do Judiciário. Em tempos de antipolítica, nada mais oportuno.

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