PUBLICIDADE

A classe C vai ao resort

Sonolento balneário do sul da Bahia, Santo André vive do turismo. São duas ruas apenas: a da praia é dominada por pousadas e restaurantes cujos donos falam português com sotaque. Os cardápios dão a volta ao mundo, mas é preciso rodar para encontrar uma moqueca.

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

O vilarejo tinha tudo para ser um destino privilegiado e exclusivo de VIPs internacionais. Privilegiado ainda é. Exclusivo, nem tanto. Quem tem movimentado a economia local são os turistas de outra sigla, a CVC.

 Foto: Estadão

PUBLICIDADE

Os "barões", como os nativos chamam os viajantes endinheirados, só passeiam por lá durante os meses de verão. No resto do ano, grande parte dos estabelecimentos fecha as portas, seus donos voltam para a Europa, seus chefs vão destrinchar peitos de pato em outras cozinhas.

Um dos poucos abertos 365 dias é o maior empreendimento turístico da praia, o Costa Brasilis. Resort com arquitetura e decoração para agradar ao baronato, passou a oferecer pacotes de uma semana por 10 parcelas de R$ 130 ("aéreo" incluído). O preço mal paga duas faxinas em São Paulo.

Os comerciantes locais descobriram que, ao contrário do turista nobre, vale a pena investir no ex-pobre. Enquanto os primeiros ficavam entocados e intocados no resort, os novos viajantes se dispõem a explorar pratos além do buffet -desde que se ofereça táxi grátis na ida e volta do restaurante.

O neoturista desce no aeroporto de Porto Seguro, sobe em um ônibus amarelo ovo de janelas panorâmicas e 38 quilômetros, 29 quebra-molas, duas aldeias indígenas e uma balsa depois desembarca no seu hotel de luxo. Piscinas, jacuzzis e praias semi-virgens (sic) o aguardam, promete a propaganda.

Publicidade

O trecho menos glamuroso é entre o avião e o ônibus. O aeródromo de Porto Seguro é o único no Brasil que recebe voos internacionais a ser administrado por uma empresa privada. O feito é anunciado com orgulho no site da Sinart. A propósito, a sigla vem de Sociedade Nacional de Apoio Rodoviário Turístico. Seu forte são rodoviárias.

A convivência no veraneio é pacífica entre descolados e deslocados. A praia é grande e demarcada. Na ponta de areia formada pelo encontro das águas doce e salgada há uma pororoca diária. Nada a ver com as marés. A onda é humana e corre do rio para o mar.

Uma vez por dia, outra parte da "família CVC" desce desde Cabrália a bordo de duas chalanas. Centenas de alegres turistas vão passar algumas horas nos guarda-sóis e barracas que os esperam na barra. Muitas caipirinhas e águas de coco depois, voltam ao seu porto seguro.

À distância, a cena da prancha caindo sobre a praia, seguida do aglomerado deixando a chalana em ordem unida, poderia lembrar o movimento das balsas que povoaram as fazendas de pecuária da região do Araguaia, no sul do Pará, nos anos 70. Mas boi não dança axé.

A rotina silenciosa de Santo André é quebrada momentaneamente por uma terceira vaga diária. São as escunas que descem o rio e passam ao largo da costa até Coroa Alta(*). A cada rajada de vento ouvem-se, na praia, trechos entrecortados da música de bordo: "muito assanhada (...) lapada (...) rachada".

Publicidade

Na maré baixa, o horizonte divisa um ilhote de areia avermelhada e o que parecem centenas de gravetos espetados n'água. São, na verdade, os passageiros das escunas, passeando pelas faces descobertas de uma extensa barreira de coral, a quilômetros da costa. Na volta, eles param para almoçar em um restaurante a beira-rio.

Nenhum morador dá pistas de estar ficando milionário, mas o dinheiro circula. E assim, graças cada vez mais ao turismo de massa e cada vez menos ao exclusivismo da classe A gargalhada (A-A-A...), Santo André vai passando seus verões, sem perder a tranquilidade.

Não foi preciso reivindicar um policial permanente para a vila. Se alguém rouba algo, dizem os andreenses, avisa-se os operadores da balsa, e a cana aguarda o imprevidente larápio do outro lado da travessia.

PS: Após a publicação desta coluna, a CVC mudou o preço do pacote para o Costa Brasilis. Agora é 10 de R$ 99,80.

(*) O texto original, equivocadamente, se referia a Coroa Grande.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.