Lula perdeu qualquer compromisso com os fatos. Nesta quinta-feira, reuniu companheiros, advogados e amigos para conceder o que chamou de entrevista coletiva. Como não foram permitidas perguntas de jornalistas, como é praxe nesses eventos, tratou-se, na verdade, de um monólogo. Primeira de várias fake news da tarde.
A partir daí, Lula passou a contar um causo sobre como foi perseguido por um conluio que envolve Judiciário, Ministério Público, partidos políticos, imprensa, Polícia Federal, empreiteiros, demais delatores e outros culpados.
Falando propositalmente "tiprex" e "adevogados" e propósito, recorrendo ao fato de ter estudado apenas até o quarto ano primário e se dizendo leigo em Direito, sentiu-se livre para criar a narrativa da vítima.
Segundo Lula, ele "leu" várias notícias segundo as quais os presos na Lava Jato eram primeiramente inquiridos em seus depoimentos sobre "o que tinham a entregar sobre o Lula".
Afirmou que não há nenhuma prova na sentença do juiz Sergio Moro, a despeito de ele ter sido exaustivo em enumerá-las.
Disse que Leo Pinheiro decidiu dar depoimento contra ele depois de ver uma reportagem no "Fantástico", da Globo, que mostrava as maravilhas da delação premiada -- quando a delação, ainda nem fechada, foi negociada bem antes e ele já não está em regime fechado há meses.
Falou várias vezes que não há "nenhum papel", fala sobre a rasura no documento -- que foi periciado pela PF -- como algo plantado por "eles".
Numa sequência de fatos que foi enumerando sem compromisso com os fatos, disse que a denúncia de que era proprietário do triplex foi "inventada" pelo jornal "O Globo", depois virou "mentira" em um inquérito da PF, foi "aceita" pelo Ministério Público, divulgada pela imprensa e aceita pelo juiz Moro.
Em mais uma mentira, Lula disse que "até agora não tinha postulado" uma candidatura a presidente, quando não faz outra coisa há mais de dois anos que não seja campanha presidencial. Inclusive já se disse candidato em viagens pelo país e em outros pronunciamentos cercado de papagaios de pirata.
Insistiu na tese do golpe, culpou a Globo, mas em seguida afirmou que a emissora quer dar "um golpe dentro do golpe" ao apresentar as acusações contra Michel Temer -- sem nem ligar para a contradição da fala.
Lula afirmou que foi condenado pela "teoria do power point", omitindo que Moro, na sentença, descartou analisar se ele era ou não o chefe do esquema do petrolão, por entender que isso era irrelevante para o processo em tela.
O tom de deboche foi outra tônica do pronunciamento, para além da narrativa fake. Lula disse que não leu a sentença na véspera porque estava preocupado com o jogo do Corinthians, saudou a condenação de ficar 19 anos sem ocupar cargos públicos como um sinal de que Moro acredita que ele vai viver até 2036, afirmou que seria bom que lhe dessem o triplex do Guarujá para pagar a multa imposta pela Justiça e outras piadinhas.
A cada uma, disparava a claque de risadas dos acólitos, que não se vexavam inclusive de chamá-lo de "guerreiro do povo brasileiro".
Colocando os filhos dos jornalistas sem nenhum pudor, Lula fingiu se emocionar num desagravo a dona Marisa.
Ou seja: foi um pronunciamento que não se preocupou em responder a nenhuma das imputações factuais da sentença, misturou política e processo, inventou denúncias e circunstâncias de depoimentos e mostrou um político que resolveu recorrer ao cinismo e ao messianismo como últimas trincheiras.
*Análise originalmente produzida para o Broadcast Político.