Ao meu ver, uma tarefa quase de tradução, no qual se tentava indicar que para além do resultado específico de um julgamento, se houve o respeito ou desrespeito a uma regra ou jurisprudência, ou até mesmo se alguma dificuldade do caso estava ligada a aspectos institucionais do tribunal.
Entretanto, os tempos são outros. Não me entenda mal, tenho bastante consciência de que o papel do STF na vida política continuará grande e tenderá a crescer. Contudo, a proposta de analisar a conduta do Tribunal foi radicalmente modificada.
A tarefa de análise se reduziu a uma atividade constante de denúncia. Denúncia de voluntarismo político de ministros, de descompromisso com regras (inclusive regimentais) e jurisprudência (do tribunal), da ausência de preocupação com o fortalecimento institucional e, especialmente, da completa resistência à implementação de mecanismos de controle sobre sua atuação (individual e coletiva).
Essa redução da análise à denúncia é apenas parte da transformação do projeto de qualificação do debate público que sempre considerei tão precioso. Para realizar tais denúncias é preciso saber pouco sobre o tribunal e sobre o contexto político. De modo geral, basta ser cínico. Quem se pautar por essa regra tenderá a fazer previsões de sucesso sobre os rumos e atuação do tribunal.
O novo ministro do Tribunal acirrará as tendências voluntaristas? Sim, claro. Depois do desgaste de 2016 entre os Poderes, o Supremo tentará esclarecer os seus critérios de interferência e o fará tentando ser consistente com o modo como agiu até hoje? Óbvio que não. Algum ministro do Supremo poderá agir com vistas a ter sucesso no mundo político ou enriquecer na advocacia privada? Mas por que não?
Esta não é uma crítica a um ou outro ministro, mas um desabafo. Talvez seja apenas um lamento saudosista daquilo que o STF já foi, ou um desespero incrédulo em relação aos rumos que parece estar tomando. De todo modo, mesmo este desabafo se converte rapidamente em denúncia.
Me vejo forçado a fazer um papel que não gostaria. Meu desejo seria poder melhorar a qualidade do debate público para aproximar a população do tribunal, mitigando o monopólio dos juristas sobre o assunto e fortalecendo o apreço da população pela instituição. Isso não parece ter mais sentido. Tudo o que é possível fazer, inevitavelmente, é confirmar para a população que onde há uma intuição de que há algo errado ocorrendo, que provavelmente é esse o caso.
Não há nenhum final feliz nessa história, mas é com essa narrativa que o Supremo nos deixou. Este é o novo momento: para os acadêmicos não há saída, senão denunciar.
Rubens Glezer É Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP). É um dos coordenadores do Supremo em Pauta e Professor de Direito Constitucional da FGV.
*Texto publicado originalmente no site do Justificando.