Para analisar o STF basta cinismo

Sempre considerei que a análise da atuação do Supremo Tribunal Federal nos veículos de mídia era parte de um projeto de qualificação do debate público. Ao longo dos últimos 5 anos me orgulhei bastante de poder participar com frequência desse empreendimento de tornar acessível à população como um todo a peculiaridade do raciocínio jurídico, o funcionamento do tribunal e as nuances que existem quando o Supremo interfere nos fatos de maior relevância da nossa vida política.

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Por Supremo em Pauta
Atualização:

Ao meu ver, uma tarefa quase de tradução, no qual se tentava indicar que para além do resultado específico de um julgamento, se houve o respeito ou desrespeito a uma regra ou jurisprudência, ou até mesmo se alguma dificuldade do caso estava ligada a aspectos institucionais do tribunal.

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Entretanto, os tempos são outros. Não me entenda mal, tenho bastante consciência de que o papel do STF na vida política continuará grande e tenderá a crescer. Contudo, a proposta de analisar a conduta do Tribunal foi radicalmente modificada.

A tarefa de análise se reduziu a uma atividade constante de denúncia. Denúncia de voluntarismo político de ministros, de descompromisso com regras (inclusive regimentais) e jurisprudência (do tribunal), da ausência de preocupação com o fortalecimento institucional e, especialmente, da completa resistência à implementação de mecanismos de controle sobre sua atuação (individual e coletiva).

Essa redução da análise à denúncia é apenas parte da transformação do projeto de qualificação do debate público que sempre considerei tão precioso. Para realizar tais denúncias é preciso saber pouco sobre o tribunal e sobre o contexto político. De modo geral, basta ser cínico. Quem se pautar por essa regra tenderá a fazer previsões de sucesso sobre os rumos e atuação do tribunal.

O novo ministro do Tribunal acirrará as tendências voluntaristas? Sim, claro. Depois do desgaste de 2016 entre os Poderes, o Supremo tentará esclarecer os seus critérios de interferência e o fará tentando ser consistente com o modo como agiu até hoje? Óbvio que não. Algum ministro do Supremo poderá agir com vistas a ter sucesso no mundo político ou enriquecer na advocacia privada? Mas por que não?

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Esta não é uma crítica a um ou outro ministro, mas um desabafo. Talvez seja apenas um lamento saudosista daquilo que o STF já foi, ou um desespero incrédulo em relação aos rumos que parece estar tomando. De todo modo, mesmo este desabafo se converte rapidamente em denúncia.

Me vejo forçado a fazer um papel que não gostaria. Meu desejo seria poder melhorar a qualidade do debate público para aproximar a população do tribunal, mitigando o monopólio dos juristas sobre o assunto e fortalecendo o apreço da população pela instituição. Isso não parece ter mais sentido. Tudo o que é possível fazer, inevitavelmente, é confirmar para a população que onde há uma intuição de que há algo errado ocorrendo, que provavelmente é esse o caso.

Não há nenhum final feliz nessa história, mas é com essa narrativa que o Supremo nos deixou. Este é o novo momento: para os acadêmicos não há saída, senão denunciar.

Rubens Glezer É Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP). É um dos coordenadores do Supremo em Pauta e Professor de Direito Constitucional da FGV.

*Texto publicado originalmente no site do Justificando.

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