Mesmo reconhecendo a tensão entre os poderes nesse último ano, a recente decisão do ministro Marco Aurelio que, de forma inédita, determinou o afastamento de Renan Calheiros, Presidente do Senado Federal, parece indicar que os conflitos podem ter chegado ao seu ápice.
Não porque esta decisão seja especialmente inusual ou que Renan Calheiros - recém tornado réu pelo tribunal - não esteja vulnerável. A forma de decidir parece ter sido a maior razão para a crise.
A decisão cautelar ocorreu em um processo que já estava sendo julgado pelo plenário do tribunal, onde se discutia a linha sucessória. Apesar da maioria dos ministros ter se mostrado favorável à impossibilidade de réus ocuparem o cargo de Presidente da República, não estava certa quanto à forma de implementação. Uma parte dos ministros considerou pular a vez a autoridade ré na linha sucessória, passando para a seguinte. Outros ministros, por sua vez, defendiam a impossibilidade de réu ocupar o cargo previsto na linha sucessória.
Tanto o pedido de vista de Toffoli, que interrompeu o debate em plenário, como a decisão monocrática de Marco Aurélio podem ser tomados como uma afronta à soberania do colegiado, que já estava debruçado sobre o tema.
O resultado do individualismo institucional? No intervalo de um dia até análise da decisão pelo plenário, tudo piorou: os ministros passaram a se criticar publicamente e, diante de um time dividido, Renan sugeriu que não cumprirá a decisão e a mesa do Senado emitiu nota dizendo preferir aguardar a decisão em plenário.
Uma manifestação oficial e explícita pelo descumprimento de uma decisão judicial da mais alta corte do país não gera a prisão de Renan Calheiros, já que um parlamentar só pode ser preso em flagrante delito de crime inafiançável, garantia dada pela Constituição. Mas, mostra uma deterioração total da capacidade de nossas instituições em lidarem com as crises. Ao que tudo indica, chegamos e passamos do fundo do poço. Seguimos cavando.
Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP