Afinal, o que há de inconstitucional na aprovação, em primeiro turno, da PEC da redução da idade penal? O papel do Legislativo não é justamente deliberar sobre estas propostas? Não seria ainda mais legítimo ao adotar medida que parece atender aos anseios da maioria?
A resposta a estas perguntas é contraintuitiva e reside na noção democracia forjada pela nossa Constituição Federal. Não vivemos em um regime em que a maioria pode tudo. Ainda que o Legislativo seja o espaço, por natureza, das vontades majoritárias, a Constituição lhe impõe severas limitações.
As regras procedimentais são a primeira barreira de proteção da Constituição, na medida em que ajustam a formação da vontade legislativa a partir de uma série de ordens de estabilidade, previsibilidade e pluralidade. Não se trata apenas de quem pode decidir, mas como se deve decidir.
Neste sentido, a reapreciação da matéria da redução da idade penal numa mesma sessão legislativa deixou a impressão de que certas decisões podem ser revistas pelo Parlamento de um dia para o outro, a depender das manobras e das alianças. Mas, no caso de reforma constitucional, essa manobra não é permitida pela Constituição.
A segunda e mais forte barreira que a Constituição impõe à vontade da maioria são as chamadas cláusulas pétreas, como o voto, a separação de poderes e os direitos e as garantias fundamentais. Neste último caso se incluem as regras constitucionais relacionadas à idade penal, que não poderiam sequer ser objeto de deliberação do Legislativo.
Há um rito para a tomada de decisões e há decisões que não podem ser tomadas. Assim, extinguir direitos de minorias e de grupos sub-representados, ainda esta seja a vontade da maioria, é uma medida antidemocrática vedada pela Constituição.
Deputados, titulares do direito a um processo legislativo correto, prometem recorrer ao Supremo Tribunal Federal diante deste duplo desrespeito. Quando o STF recebeu a primeira ação para barrar a tramitação da PEC da redução da maioridade penal, ainda em abril, foi negada a liminar porque não haveria risco de aprovação da medida. O cenário agora é outro.
O STF, como guardião da Constituição, exerce um poder contramajoritário essencial para a preservação de direitos de minorias: lá encontraram amparo os casais do mesmo sexo; os negros beneficiários de ações afirmativas; os indígenas de Raposa Serra do Sol. Será, também para os adolescentes, a última das barreiras.
Eloísa Machado, professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP
Roberto Dias, coordenador da FGV Direito SP.