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"PT ignorou realidade", diz ex-petista sobre eleição de Tancredo

No dia 15 de janeiro de 1985, o então deputado Airton Soares desobedeceu ao PT, que havia proibido a bancada de votar em Tancredo Neves. Para ele, o partido ignorou que Paulo Maluf representava a linha dura dos militares e o retrocesso

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Por Roldão Arruda
Atualização:

Há trinta anos, o PT deu orientação aos seus parlamentares para que não fossem à sessão do Colégio Eleitoral para a escolha do novo presidente da República. Defensor intransigente das eleições diretas, o PT não participou da eleição indireta de Tancredo Neves e de seu vice, José Sarney.

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A orientação do partido foi desobedecida, porém, por três parlamentares: Airton Soares, José Eudes e Bete Mendes. Os três petistas estiveram na histórica sessão e declararam abertamente seu voto em Tancredo.

Logo em seguida iniciou-se o processo de expulsão dos parlamentares. Não foi adiante, porém, porque os três pediram o seu desligamento.

"O PT preferiu marcar posição e mostrar coerência com seus princípios do que encarar a realidade", diz Soares ao relembrar o episódio. "Decidi votar no Tancredo porque o seu adversário, o deputado Paulo Maluf, representava a linha dura do regime militar. Sua vitória significaria o recrudescimento do regime, a argentinização do processo brasileiro."

Soares, 69 anos, é advogado e começou a se destacar na cena política nos anos mais duros da ditadura, quando se dedicou à defesa dos presos políticos nas auditorias militares. Filiou-se ao antigo MDB e mais tarde ajudou a fundar o PT. Após o desentendimento de 1985, retornou ao partido de origem, agora denominado PMDB. Em 1992 filiou-se ao PDT.

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Na entrevista abaixo ele expõe o seu ponto de vista sobre o episódio, quando o poder voltou oficialmente às mãos dos civis.

Por que o senhor saiu do partido?

Eles estavam cogitando a nossa expulsão, quando pedimos a desfiliação. O processo de expulsão abriria feridas rompedoras no partido. Por outro lado, não era mais razoável continuar, após votar contra a orientação que tínhamos recebido.

 Foto: Estadão

O senhor havia participado ativamente da campanha pelas Diretas Já. Não achava razoável continuar insistindo nas eleições diretas?

Após a campanha das Diretas Já, que mobilizou o povo no País inteiro, choramos a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso. É bom lembrar que nesse processo já havia um acordo no interior do PMDB, um acordo entre o Ulisses Guimarães e o Tancredo Neves, que previa o seguinte: se fosse eleição direta, o candidato seria o Ulisses; se fosse indireta, Tancredo. Mas, mesmo depois que ficou definido que seria indireta, o Ulisses continuou apoiando um grupo do PMDB, chamado Só Diretas, contrário à eleição no Colégio Eleitoral. Os interesses de Lula e Ulisses coincidiam, porque eles só tinham possibilidades com a eleição direta.

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O que foi decisivo para o seu apoio a Tancredo?

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Votei nele para evitar o Paulo Maluf, que representava o general Silvio Frota (ministro do Exército demitido em 1977, durante o governo de Ernesto Geisel), da linha dura do regime militar. Embora aparecesse em cena desvinculado de qualquer esquema, Maluf era o homem do Frota. O candidato do general Figueiredo, derrotado por Maluf no interior do PDS, era o coronel Andreazza, que representava a continuidade do processo de abertura política do Geisel.

O PT não pensava assim?

O PT preferiu marcar posição, mostrar coerência com seus princípios do que encarar a realidade. A vitória de Maluf era o recrudescimento do regime, a argentinização do processo brasileiro. Diante desse quadro, o José Eudes, a Bete, eu e muita gente da esquerda não hesitamos em apoiar Tancredo.

Se o processo de expulsão fosse adiante, vocês seriam afastados?Havia unidade no PT a respeito dessa questão?

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Não. O partido estava dividido. Na sessão de votação, nos três votamos, enquanto os outros membros da bancada - Eduardo Suplicy, Luiz Dulci, Irma Pasoni, José Genoino e Djalma Bom - se ausentaram. O que chama a atenção, porém, é que na fila de cumprimentos do Tancredo, assim que foi eleito, todos estavam presentes. E àquela altura Lula já tinha ligado para ele, cumprimentado-o pela vitória. Era uma postura eminentemente política, mas oportunista. Desprezou os riscos do revés que teria ocorrido com a eleição de Maluf e Silvio Frota.

A eleição do Tancredo pode ser considerada como o marco da passagem do poder para as mãos dos civis?

Aquela eleição possibilitou um racha na base política de sustentação do regime e também entre os militares. Muitos deles queriam se livrar do peso da ditadura. Os militares decentes, que eram a maioria nas Forças Armadas, se incomodavam com o fato de serem vistos como algozes e torturadores. O grande trunfo do Tancredo foi a sua capacidade para costurar um acordo com esses grupos no qual o processo de abertura podia fluir normalmente.

Tancredo temia sempre uma reação da linha dura, segundo seu neto, o senador Aécio Neves. Concorda?

Eu acho que o Tancredo se imolou. Ele já estava mal de saúde desde sua passagem pelos Estados Unidos, na viagem que fez por vários países após a eleição no Colégio Eleitoral. Os médicos americanos recomendaram que fosse internado lá mesmo. Mas ele só concordou em ir para o hospital quando os representantes internacionais convidados para a posse já estavam no Brasil. Isso tornava o processo quase irreversível.

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Leia também depoimentos do senador Aécio Neves e do general Leônidas Pires Gonçalves, nomeado por Tancredo Neves para o antigo Ministério do Exército.

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