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Movimentos, direitos, ideias

'País vive desmanche político terrível', diz porta-voz da CNBB

Representante da CNBB no debate sobre reforma política, dom Joaquim Giovani Mol Guimarães critica o "desmanche" da política; e revela dificuldade para diferenciar os programas dos candidatos à Presidência: "É a mesmice"

Por Roldão Arruda
Atualização:

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizou nesta semana uma ofensiva no trabalho de coleta de assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular por uma reforma política. Com esse esforço concentrado, que segue até o domingo, 7, espera dar um salto no total 450 mil assinaturas já reunidas. Para que o projeto vá adiante, é necessário o triplo disso, em torno de 1,5 milhão.

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O trabalho é coordenado por dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e presidente da Comissão da CNBB para Acompanhamento da Reforma Política. Na entrevista abaixo ele fala sobre o trabalho que desenvolve e da conjuntura eleitoral.

Segundo o bispo, "o País vive um momento de desmanche terrível", no qual se associa a atividade política a tudo que existe de ruim. Quanto à eleição, dom Mol, como é mais conhecido, observa: "Minha dificuldade é encontrar as diferenças entre os programas dos candidatos."

O que houve nesta semana nas comunidades católicas?

A CNBB integra a Coalizão pela Reforma Política Democrática, da qual também fazem parte quase uma centena de outras instituições. Durante este período da Semana da Pátria nós decidimos intensificar o trabalho de coleta de assinaturas de apoio ao projeto de lei de iniciativa popular por uma reforma política.

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Por que um projeto de iniciativa popular?

Porque o Congresso não mostra interesse em fazer a reforma.

Quais as mudanças previstas no projeto desta coalizão?

Existem quatro pontos definidos. O primeiro é a proibição de doação de recursos de empresas, pessoas jurídicas, para as campanhas. É uma forma de fechar essa porteira para a corrupção, considerando que 95% dos recursos das campanhas vêm de empresas. No final, os legisladores acabam representando mais as empresas que o povo. O segundo ponto é a votação em dois turnos. No primeiro seriam debatidos e votados os programas dos partidos para as grandes questões nacionais,nas áreas de educação, saúde, segurança, mobilidade urbana, entre outros. No segundo turno seriam escolhidos os candidatos.

Quais seriam os outros dois pontos acertados?

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A terceira proposta trata da melhoria da representatividade das mulheres em cargos eletivos, em todos os níveis. Elas totalizam mais da metade dos eleitores, mas ocupam apenas 8% das funções eletivas. O quarto ponto é a regulamentação do Artigo 14 da Constituição, que trata da participação do povo nas principais decisões, por meio do plebiscitos, referendos, projetos de lei de iniciativa popular.

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O que a CNBB tem a ver com plebiscito pela convocação de uma constituinte para reforma política que também aconteceu nesta semana?

No interior da Coalizão existe um grupo que defende a convocação de uma assembleia constituinte, exclusiva e soberana, para mexer na estrutura política do País. Seria uma reforma mais radical. O projeto com as quatro propostas que descrevi é infraconstitucional - o que significa que elas não mexem na Constituição, podendo ser aprovadas como leis ordinárias. O grupo do plebiscito, porém, quer mexer na Constituição. O que estão fazendo é um plebiscito popular, sem valor legal, mas altamente didático, no qual chamam a população a responder se é favorável ou não a essa constituinte.

Houve um entendimento entre os dois grupos?

Sim. Nos mesmos locais onde se coletou assinaturas foram postas urnas para o plebiscito. E vice versa. Um grupo ajuda o outro.

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Por que a Igreja Católica se engajou na campanha pela reforma?

Não é só a Igreja Católica. A iniciativa é apoiada por todo o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, o Conic, e por outras igrejas que não fazem parte do conselho. A CNBB tomou a iniciativa de convidar todos as organizações e movimentos para se reunir e unificar as propostas.

Mas por qual motivo a CNBB valoriza tanto a reforma?

A Igreja valoriza a política e nós estamos vivendo no Brasil uma situação muito delicada: estamos assistindo a um desmanche político terrível. É como se tudo e todos que estão na política constituíssem o que há de pior na sociedade. Na realidade, a política é muito importante para o desenvolvimento da sociedade, da cultura, do povo, da nação. O papa Paulo 6.º já dizia e, agora, o papa Francisco tem repetido, que a política, exercida com coerência e princípios, é a melhor forma de fazer a caridade, praticar o amor. As pessoas que vão para a política podem fazer um bem enorme para uma população inteira, dependendo da forma como a praticam.

Por que estaria ocorrendo esse 'desmanche'?

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Não sei quais são exatamente as razões. Mas vejo que os segmentos que promovem isso querem que as pessoas participem da política até certo ponto. Até o o ponto que a política não trata dos grandes problemas econômicos do País, relacionados sobretudo à grande desigualdade. No Brasil,1% da população brasileira detém praticamente 50% da renda produzida aqui. O que temos é um sistema econômico perverso que alimenta essa desigualdade escandalosa. Os segmentos aos quais me referi não falam disso, não focalizam essas questões, mas vivem dos escândalos de corrupção. É uma coisa macabra. Acho que a corrupção tem que ser denunciada e combatida sempre, mas vejo que não se dá a mesma atenção a ações, projetos, decisões políticas acertadas, interessantes, que favorecem a vida do povo.

Trata-se de revalorizar a atividade política?

Sim. Não podemos acabar com a política. Não existe democracia sem política. Precisamos ter no Congresso pessoas mais afinadas com os interesses nacionais. A reforma política seria um avanço nessa direção.

Como o senhor está vendo as eleições deste ano?

Parece que já vimos tudo isso. Passa ano e entra ano e os políticos continuam com as mesmas fórmulas. Nem reeditam os discursos. Hoje um cola o programa do outro e fica tudo igual. Ninguém tem uma ideia mais brilhante, um projeto mais arrojado? É a mesmice.

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Mas tivemos fatos e mudanças importantes nos últimos dias.

Sim, a Marina Silva subiu rapidamente nas intenções de voto, o que leva a uma recomposição das forças políticas. É um momento de pensarmos muito. A Dilma tem uma história, o PT está há tempos no governo; o PSDB reivindica mais uma vez o papel de oposição, mas ainda precisando dizer claramente o que significa essa oposição; e a Marina tendo que se explicar e se expor. A minha maior dificuldade é o tom genérico das campanhas. Mas é um momento importante da democracia, de exercício da cidadania, apesar das dificuldades.

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