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Artigo: Popularidade - A César o que é de César!

Carlos Melo*

Por Bruno Lupion
Atualização:

Os dados não foram abertos, nem temos o suporte de pesquisas qualitativas, mas mesmo assim cabe perguntar se os 77% da popularidade presidencial aferidos pelo Ibope não correspondem a um processo mais amplo, que vai além da personagem e seu governo. Em política real - mais do que no marketing político - é necessário "dar a César o que realmente é de César", até para que se possa compreender a força real do governante, de modo a não sub ou superestimá-la. Às vezes, a popularidade tem razões que a própria razão desconhece.

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É justo inferir que parte desse índice possa ser atribuída a aspectos específicos da economia: o País vive o mais baixo índice de desemprego desde o início da série histórica, em 2002. Pessoas sem emprego são, naturalmente, mais críticas e amargas; colocam na conta da ação (ou inação) do governo boa parte de sua desventura. O contrário, ter emprego é a base da satisfação e isto transmite segurança, otimismo e bem-estar. É como se a euforia dançasse ao ritmo de James Brown: "I feel good (...) I feel nice, like sugar and spice".

Logicamente, essa sensação eleva a esperança do sujeito, que passa a confiar mais no futuro. Transformado em consumidor, continuará comprando, girando a economia e, assim, produzindo empregos. Nesse ambiente, compara-se o País do presente com seu próprio passado e com o mundo externo, atualmente de extrema turbulência; acredita-se na excepcionalidade do País. É um ciclo positivo. Mas, qual a responsabilidade da presidente nisso tudo?

Relativa; "a César o que é de César". O quadro atual tem sido pintado ao longo de anos e remonta à melhora geral da economia brasileira, desde o Plano Real. Foi gradativo e teve a grande participação de políticas de distribuição de renda e de estímulo ao crédito, forjadas em governos anteriores. O que permitiu a Dilma assumir o governo em condições imensamente mais favoráveis que Itamar, FHC e Lula, de algum modo também credores desse processo.

É claro, a presidente tem pelejado para não deixar a bola cair: as recentes reduções de juros e a insistência para que o desenvolvimento econômico não sofra refluxo ainda maior do que já tem refluído são um esforço e um mérito seu. Contudo, o processo tem sido mais defensivo - e prudencial - do que de alterações substanciais e mais amplas. Ao menos em seu componente econômico, os louros da popularidade devem ser compartilhados.

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E também o desempenho pessoal da presidente - reconhecidamente superior ao do governo - requer maior reflexão. Muita gente que não suporta o PT e nem morre de amores por Lula vê Dilma com simpatia por distingui-la do partido e do antecessor. De fato, é uma personalidade mais comedida, pragmática e nada "palanqueira". É também menos identificada com a política - a "má política", como aparece aos olhos da população - e seu estilo e estética diferem-se de Lula. Um certo lustro executivo e gerencial e até um sutil polimento intelectual cai nas graças da classe média de eternas restrições ao antigo metalúrgico, mais popular e carismático.

Entretanto, o apoio do eleitor típico do PT e a liderança popular de Lula estão também contidos no grau de aceitação da atual presidente. Para dezenas de milhões de pessoas, Dilma e Lula são unha e carne e é isto que lhe dá força, sendo Lula seu guardião. Não se verá nas pesquisas, eleitor que aprove Lula e o PT e desaprove a Dilma. Já o contrário será absolutamente natural. PT e Lula somam-se ao estilo Dilma, não subtraem. Já a percepção de menor identidade e maior diferenciação com o PT e Lula pouco ou nada lhe retira; lhe acrescenta. Então, mais uma vez, "a César o que é de César": parte de sua popularidade deve ser creditada à popularidade e à força política de seus companheiros.

Para alguns analistas, a suposta "faxina no governo" e o "enfrentamento" com os partidos aliados têm sublimado a popularidade. Tal é o desgaste público do sistema, qualquer altercação em relação aos políticos logo cai nas graças da mídia e da massa em geral. Está aí o caso do senador Demóstenes Torres para provar que parcela da população é mesmo suscetível ao discurso moralista e antipolítico.

Mesmo não sendo exatamente uma "faxina", a cada vaso que se quebrou, a presidente tratou de recolher e dispensar os cacos e assim vários ministros foram defenestrados. Foi aplaudida e, ainda que os "vasos" sejam repostos com exemplares do mesmo jaez, há que se admitir que a comunicação da presidente agiu com eficiência. Além disso, a espécie de freio de arrumação dado no Congresso, ao substituir lideranças, expressou um desconforto com o "toma-lá-dá-cá" rapidamente reconhecido pela população.

Todavia, também é verdade que Dilma se beneficia por contar com maioria no Congresso, à custa do loteamento do governo. É normal, e nem de longe isto significa abalo ou rompimento com velhas práticas. E, ainda que lhe causem problemas, pelo menos até aqui seus "aliados" optam antes pela tensão que pela ruptura. A presidente não vive o horror - horror para qualquer governo - de festivais de CPIs transmitidas ao vivo. Diferente de FHC ou Lula, seus testes foram incomparáveis à sangria de batalhas anteriores. Nem a tísica oposição que enfrenta -- perdida em seu labirinto - se assemelha à agressividade de outros tempos.

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A fortuna de Dilma difere substancialmente dos percalços de seus antecessores e sua virtù, por outro lado, ainda não pôde ser testada. Sua condição de partida muito mais favorável e seus duelos públicos muito mais tênues, até aqui não dão musculatura mais rija à popularidade o que também a torna pouco testada. No que se refere à implantação de um projeto ou à rinha mais virulenta das disputas políticas, em que pese o já quase o ano e meio de mandato, seu governo nem bem começou.

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Os tais "feel good factors" ajudam, mas não necessariamente lhe dão força para avançar numa agenda transformadora ou pelo menos de aprofundamento do processo que a beneficia. Isto deveria suscitar antes preocupação que triunfalismo: não se baseando em projeto (FHC), nem em carisma (Lula), a manutenção da popularidade de Dilma depende muito menos de seus atributos que do jogo dos contrários: o campo econômico - sobretudo, o ambiente externo --, a sustentação precária da base e a passividade da oposição. Nesse jogo de damas, em que pese a popularidade, Dilma joga defensivamente.

*Carlos Melo é cientista político e professor do Insper. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias", escreve quinzenalmente para o AE News.

 Foto: Estadão
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