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'Estadão' promove debate sobre os 'Meninos do Contestado'

estadão.com.br

Por Bruno Lupion
Atualização:

SÃO PAULO - A Guerra do Contestado (1912-1916), ocorrida na divisa entre Santa Catarina e Paraná e considerada a maior rebelião civil do País no século 20, foi tema de um debate promovido pelo Estado nesta quinta-feira, 29, das 12h às 14h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

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Participaram do debate Meninos do Contestado o professor de Sociologia José de Souza Martins, titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso de movimentos sociais, e os repórteres Leonencio Nossa e Celso Junior, que contaram os bastidores do caderno especial Meninos do Contestado, publicado pelo Estado em fevereiro para marcar os 100 anos do início da guerra.

Acompanhe os principais momentos:

12h05 - O primeiro com a palavra é o professor José de Souza Martins.

JSM - Retomar o tema do Contestado, que é muito esquecido na história brasileira, é um fato auspicioso e que dá uma dimensão importante ao jornal que patrocinou a pesquisa. Foi uma guerra de um exército republicano, moderno, bem armado, contra uma população de místicos desarmados que estavam lutando por outra coisa que não era o que o exército alegava como motivo da aglomeração daquela gente. O exército afirmava que defendia a República e dizia que o 'fanáticos' de Santa Catarina defendiam a Monarquia.

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Havia um segundo conflito subjacente a toda a situação, que era o conflito do exército contra as oligarquias. O exército disputava na época o monopólio da violência com a guarda nacional, que defendia interesses privados. Havia também o conflito entre a Igreja Católica e o catolicismo popular brasileiro, era a fase da romanização da Igreja Católica. E outro grande problema foi o fato de que muitos operários foram levados para construir uma ferrovia com o compromisso de que fossem devolvidos aos locais de origem. Mas não foram devolvidos, foram abandonados lá naquela região, e essa gente ficou sem saber o que fazer.

O conflito começou no fim de uma festa de São Sebastião. Ao final da festa, o monge José Maria de Jesus se retira da região e vai para a outra margem do rio Irani, acompanhado por um monte de gente, seus seguidores e alguns desempregados - cerca de 200 pessoas. Nesse contexto de conflitos subjacentes, o exército, alegando a defesa da República, envia tropas e o monge é morto pelo capitão João Gualberto Gomes de Sá Filho, interrompendo essa peregrinação em busca de uma 'terra prometida'.

Toda a guerra se moveu não apenas em cima de questões materiais, mas também imateriais: o fantasma da monarquia e uma motivação mística. Houve de fato a interferência da empresa que construía a estrada de ferro, a Lumber Company, do empresário norte-americano Percival Farquhar. Mas esse era apenas um dos fatores.

A compreensão desse e de outros conflitos depende sim da análise de fatores materiais, econômicos e sociais, mas depende também de compreender fatores religioso, místicos e milenaristas que organizam o entendimento que essa população de regiões mais remotas tem do Brasil.

12h50 - Assume a palavra o repórter fotográfico Celso Junior.

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CJ - Quando estávamos fazendo a pesquisa, uma imagem chamou muito a nossa atenção: prisioneiros do contestado, cercado por homens armados do exército. E entre os prisioneiros havia meninos - daí veio o mote do caderno. Decidimos que tínhamos deir atrás desses meninos, para colher depoimento de personagens que tinham vivido esse conflito. Por isso o caderno se chama 'Meninos do Contestado'.

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Quando chegamos lá, ficamos surpresos com a tamanha pobreza da região e a dificuldade enfrentada pela população local. Sabíamos que era uma região pobre, mas não imaginávamos que seria tão miserável. Comparamos os índices de IDH daquelas cidades com outras do mesmo Estado e percebemos a grande discrepância.

Após esse contato inicial, nosso objetivo passou a ser localizar as pessoas que tinham vivido o conflito. E nessa busca nos deparamos com esses três personagens: o seu Altino, de 108 anos, que já tinha grande dificuldade de falar. E foi difícil o momento da fotografia, não podíamos 'dirigir' a cena com facilidade, em função das limitações físicas dos personagens.

Como encontramos seu Altino? No último dia de uma de nossas viagens, encontramos uma mulher que dizia ter notícias de um sobrevivente do contestado. Ele estaria a cerca de 200 km de onde estávamos. Ligamos para o jornal, que nos autorizou a ficar mais tempo, e fomos atrás dele. Ficamos muito felizes de encontrá-lo, pois seu Altino deu um grande depoimento.

Esse caderno é totalmente recompensado por esses três meninos, que nos contam um pouco do drama que viveram.

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13h10 - Com a palavra, o repórter Leonencio Nossa.

LN - Primeiro nós fomos para o arquivo do exército, no Rio de Janeiro, buscar o lado oficial da Guerra do Contestado. Tem toda uma burocracia para acessar o material, mas ele existe e pode ser consultado. Esse conflito não entrou no imaginário coletivo do País, mas há uma bibliografia fantástica sobre esse período.

O desafio maior era reconstituir a guerra pelo outro lado, o lado dos caboclos. É difícil reconstituir histórias dessa camada da população. Essa versão não está nos arquivos oficiais, e é uma guerra que ocorreu há cem anos. Há poucos registros escritos dos participantes da guerra, e os poucos relatos que às vezes tinham sido escritos sob tortura.

A primeira linha de investigação foi tentar encontrar sobreviventes do conflito. Mas sabíamos de antemão que mesmo que encontrássemos essas pessoas, seriam versões muito frágeis, pois eram crianças na época, tinham cinco, seis, nove anos. Não poderiam falar de táticas guerrilheiras, conchavos políticos, deslocamento de homens.

A segunda linha era revelar a região, ver que marcas do passado permaneceram na área, desenhar um mapa. E percebemos que cem anos depois, a guerra ainda está muito presente: na falta de representatividade no poder, na falta de condições materiais. Parece um lugar amaldiçoado pelo poder público, um 'câncer' de Santa Catarina. Por isso, os índices de desenvolvimento lá são comparáveis aos de grotões nordestinos. E esse retrato nos ajudou a compreender o que foi o Contestado.

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Uma lição que tiramos desse especial é que mesmo o passado mais remoto é possível ser reconstituído nas páginas de um jornal. Mas para isso é preciso resgatar os valores da reportagem tradicional. Não inventamos nenhuma roda, apenas seguimos uma cartilha usada há muito tempo pela imprensa e acreditamos no valor da reportagem.

13h30 - Palestrantes fazem outros comentários:

JSM - É muito bom que eles tenham feito uma reportagem, isenta. Eu, como pesquisador, uso muito arquivos de jornal e muitas vezes é um material de má qualidade. A revista O Cruzeiro, por exemplo, fez um especial sobre a Guerra dos Canudos e é um material ruim, partidário, parcial.

Chamo atenção para o fato de que duas pessoas do meio acadêmico andaram pelo Contestado registrar documentos. Um deles, na década de 50, bateu o Contestado inteiro a cavalo resgatando documentos e fotografando. Outro esteve há 30 anos lá também entrevistando sobreviventes.

E uma coisa que minha experiência sugere, pois já entrevistei muitas crianças em uma pesquisa na Amazônia, é que a criança sabe mais do que a gente imagina. A criança fica na memória do velho, é um arquivo histórico que está lá. Não é informação adulterada, ela está situada, reciclada. É uma informação muito preciosa.

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JSM - Vários oficiais do exército que estavam no Contestado também combateram contra o movimento tenentista. O Tertuliano Potiguara combateu os tenentistas na Mooca. E vários deles estiveram também em Canudos. Não dá para separar esses conflitos em lutas rurais e lutas urbanas se incluirmos a revolução tenentista de 24 nessa história. Aliás, São Paulo foi a única cidade brasileira bombardeada por aviões. E os aviões chegaram a ser usados no Contestado para reconhecimento de terreno.

JSM - Certamente a motivação econômica foi um fator escondido por trás de todo o processo político e histórico que movimentou a guerra. Mas Farquhar não participou diretamente da guerra e não estava tão interessado nas terras. Ele estava realmente interessado na madeira que extraía da região. Era como tirar ouro da terra.

13h55 - Debate encerrado, seguido pela transmissão de um documentário sobre a Guerra do Contestado produzido por Leonencio Nossa e Celso Junior. Mais detalhes em breve na TV Estadão e na edição impressa de sexta-feira, 30, do Estadão.

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