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Por Mário Scheffer

Queiroga anuncia final falso da pandemia para tentar dar trunfo eleitoral a Bolsonaro

Ministro carrega nas costas 362.970 mortes por covid, que ocorreram após sua posse em 23 de março de 2021. O número representa 54% do total de 662.043 de óbitos até o último dia 14 de abril

Por Mário Scheffer
Atualização:
O ministro Marcelo Queiroga, da Saúde, disse haver elementos para encerrar a emergência sanitária por covid no País. Foto: Reprodução/YouTube

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, usou cadeia nacional de rádio e televisão para anunciar a derrubada da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, primeiro passo para decretar, na marra, o "fim" da pandemia de covid-19.

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Queiroga balbuciou solidariedade protocolar aos familiares das vítimas e atenuou o saldo hediondo da pandemia.

Não reconheceu o destaque do País nas altas taxas de mortalidade e letalidade, mas declarou que "com a força do nosso Sistema Único de Saúde, o SUS, salvamos muitas vidas".

Só faltou exibir o "placar dos recuperados", criação bolsonarista para se opor ao consórcio de imprensa que divulga diariamente o número correto de casos e de mortes.

O ministro sabujo ressaltou a autonomia dos médicos em prescrever e a liberdade da população em vacinar, uma homenagem a duas bandeiras de Bolsonaro, a favor do tratamento com cloroquina e contrária à obrigatoriedade da imunização.

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Por algum tempo, em 2021, durante a CPI do Senado, opositores imaginaram que o criminoso manejo da covid havia colocado o governo de joelhos.

Agora, o "false ending" encenado por Queiroga pode surgir como um dos ativos do presidente na corrida ao novo mandato.

O anúncio de Queiroga foi tão vago ("será editado um ato normativo disciplinando essa decisão") quanto de segunda-mão, já que Estados e municípios decidiram antes pela abolição do uso de máscaras e de certificados de vacinação no comércio, nas escolas, no lazer.

Apegados às flexibilidades enquanto dura a emergência, governadores em campanha pedem tempo para se adequar ao término dos repasses de recursos federais, das compras e contratações simplificadas.

O fim de uma pandemia não se encaixa bem na condição de capricho ou cálculo de governantes.

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É um longo processo que se estende, tem finais diferentes que não acontecem ao mesmo tempo.

Há um fim epidemiológico, quando o vírus e a doença perdem terreno; um fim administrativo, quando medidas governamentais de exceção não são mais demandadas; e um fim social, na hora em que a população adquire confiança e se sente segura.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou a covid-19 uma pandemia, em 11 de março de 2020, é a única autoridade capaz de decidir quando a emergência de saúde pública de interesse internacional não será mais necessária.

A mesma OMS acabou de apresentar três cenários para a evolução da pandemia este ano, e nenhum deles pode ser descartado.

O mais provável é que variantes do vírus continuem circulando em ondas, em intervalos de tempo, mas a gravidade da doença diminuirá graças à vacinação e ao desenvolvimento de imunidade. Picos de adoecimentos e mortes podem ocorrer, caso não sejam adotados reforços de proteção para grupos populacionais mais vulneráveis.

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Na melhor das hipóteses, diante de variantes sem gravidade, novas vacinas e doses de reforço não seriam mais acionadas.

Já no desfecho temido, uma variante altamente virulenta e transmissível, contra a qual os imunizantes atuais não fariam efeito, pode desencadear nova crise de saúde mundial.

Onde a transmissão da Omicron explodiu, e depois caiu, os governos adotaram respostas variadas, desde a rígida política de "covid zero", que tenta suprimir o vírus, na China; passando por protocolos especiais para pacientes crônicos e idosos, na Coreia do Sul; até a remoção de todas as restrições, a exemplo do Reino Unido.

Muitos países aprenderam com seus erros, passaram a calibrar estratégias, mas também aproveitaram o respiro, se prepararam para agir rapidamente na hipótese da re-emergência.

Queiroga disse que a medida por ele antecipada "não significa o fim da covid-19", mas apostou na banalização: "continuaremos a conviver com o vírus".

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Nada foi revelado sobre quais níveis de transmissão são aceitáveis hoje para o Brasil e como será, daqui em diante, caso a situação saia do controle novamente, a coordenação nacional de novas vacinas e testes gratuitos em massa, oferta de antivirais e medidas adicionais de vigilância e mitigação.

Controlar o vírus sem esgotar o sistema de saúde, proteger os profissionais de saúde e todos que correm maior risco, combater eficazmente a desinformação, nada disso esteve no radar do ministro.

Queiroga carrega nas costas 362.970 mortes por covid, que ocorreram após sua posse em 23 de março de 2021. O número representa 54% do total de 662.043 de óbitos até o dia 14 de abril de 2022.

No pronunciamento, fez crer que "a melhora do cenário epidemiológico, a ampla cobertura vacinal da população e a capacidade de assistência" justificam o fim da emergência sanitária. Contudo, seus critérios são mais oportunistas do que técnicos ou científicos.

Não disse uma palavra sobre como o País está organizado para proteger a saúde de seus habitantes de novos riscos.

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Meia palavra sobre a compra de vacinas não apaga a agonia que o Brasil viveu, com o início tardio e a lentidão da vacinação.

Atrás de alguma recompensa, Queiroga desistiu da candidatura a deputado federal antes de entregar a farolagem do fim da pandemia.

Cara de pau, se apresentou à Nação em pleno domingo de Páscoa, como operador de um milagre.

Queiroga promete ressuscitar votos, transformar o desastre da gestão federal no combate à covid em um trunfo eleitoral de Bolsonaro.

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