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Por Mário Scheffer

Aumento de gastos privados com saúde no Brasil impede o avanço do SUS

A persistência de desigualdades no financiamento da saúde ao longo de governos, independentemente da orientação ideológica, não pode passar despercebida

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Por Redação
Atualização:

Por Artur Monte Cardoso e Lucas Andrietta*

O IBGE publicou a última edição da Conta-Satélite de Saúde. Os dados detalham quem compra, quem produz e como se distribui a renda gerada pelas atividades econômicas ligadas ao sistema de saúde.

A histórica desproporção, de gastos privados maiores que gastos públicos, se agravou.

O gasto total com saúde no País não é baixo e aumentou nos últimos anos, em termos reais, chegando a sonoros R$711,4 bilhões em 2019. Foto: Werther Santana/Estadão

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Apesar do papel crucial desempenhado pelo SUS, os gastos com saúde no Brasil divergem muito de uma trajetória compatível com o acesso universal, gratuito e igualitário, previsto na Constituição Federal.

A comparação com experiências internacionais ajuda a balizar debates sobre qual sistema de saúde temos, qual devemos almejar e que tipo de mudanças são necessárias.

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O gasto total com saúde no País não é baixo e aumentou nos últimos anos, em termos reais, chegando a sonoros R$711,4 bilhões em 2019. Isso equivale a 9,6% do PIB, bem acima dos 8% de 2010, maior que países da OCDE, que gastam, em média, 8,8% do PIB com saúde.

Contudo, considerando a paridade do poder de compra, o gasto per capita no Brasil (US$1.514,00) representa apenas 37% da média da OCDE (US$4.087,00). Não chega a ser uma surpresa, dada a desigualdade econômica entre os países.

A sociedade brasileira destina à saúde parcela considerável de seus recursos, mas atinge um volume per capita significativamente menor que outras nações.

Em 2017, o Brasil gastava US$1.280,00 per capita com saúde, muito menos que Chile, Uruguai e Argentina.

Num cenário como esse, há disputas acirradas pela distribuição dos recursos, o que a conta-satélite também evidencia.

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O traço mais marcante da saúde no Brasil é a desigualdade entre o gasto público e o gasto privado.

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Países que investem em sistemas de saúde universais têm financiamento predominantemente governamental, em comparação ao total de recursos. É o caso de Cuba (89,4%), Portugal (60%), Espanha (67%), Reino Unido (79%) e países escandinavos (acima de 80%). No Brasil, essa proporção atingiu 39,8% em 2019, o valor mais baixo da série desde 2010.

Os dados expõem o subfinanciamento a que o SUS está submetido, mas, sobretudo, revela que a parte majoritária (60,2%) dos gastos no Brasil é financiada por famílias e empresas, que compram serviços assistenciais, incluindo planos e seguros privados (39,7%) e medicamentos (17,2%).

A predominância do gasto privado acentua as fortes desigualdades no acesso à saúde no Brasil. Plano de saúde é principalmente benefício empregatício e não garante um padrão único, dadas as diferenças dos produtos comercializados. Além disso, como revelou outro estudo do IBGE, a Pesquisa sobre Orçamentos Familiares (POF), os gastos com saúde comprometem parcela importante - e crescente - da renda das famílias, sobrecarregando ou excluindo as famílias mais pobres.

O mercado de medicamentos (equivalente a 1,8% do PIB) exibe um dado alarmante: apenas 7% do consumo final é feito pelo governo, enquanto 93% recaem sobre as famílias. O consumo privado de medicamentos sustenta o imenso setor de farmácias e drogarias, e a atividade de comercialização gerou uma margem de R$39 bilhões em 2019.

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Este padrão de despesa explica a exuberância dos mercados setoriais. Empresas líderes ostentam desempenho invejável e inequívoco no período recente. Mantiveram-se imunes às oscilações econômicas, ao agravamento da crise social e não sofreram abalo durante a pandemia de covid-19.

Hipertrofiado por estímulos fiscais de diversos tipos, o crescente empresariamento do setor pouco contribui para a melhoria das condições de saúde da população brasileira.

Embora realizem cada vez mais consultas, exames, internações e procedimentos, os planos de saúde e os serviços assistenciais pagos diretamente pelas famílias mantêm um padrão de acesso e uso de cuidados à saúde altamente estratificado e desigual.

A persistência das desigualdades no financiamento da saúde ao longo de governos, independentemente da orientação ideológica, não pode passar despercebida. É preciso compreender as contradições entre as intenções universalistas e o orçamento minguado da saúde.

Noções fantasiosas

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Com noções fantasiosas sobre a necessidade de "inovação" e "ganhos de eficiência", sucessivos governantes e quadros técnicos têm justificado o pé no freio dos gastos públicos com saúde.

Nas próximas eleições, é possível que as polêmicas sobre a pandemia tragam consigo um exame mais extenso e aprofundado sobre o financiamento do SUS.

Dizer que não é preciso gastar mais com saúde pública fará com que o País continue desprovido de insumos básicos, profissionais de saúde e instituições públicas robustas para enfrentar a próxima emergência sanitária.

Gastar mais não é o oposto de usar bem e criteriosamente os recursos. Pelo contrário, é necessário fortalecer instituições e a democracia para romper com o ciclo que impede a efetivação do direito formal à saúde.

É claro que uma agenda favorável ao SUS deve denunciar as limitações ao gasto público impostas nos três níveis da federação. A Emenda Constitucional 95 é símbolo maior, mas não o único. Mesmo o padrão de financiamento da saúde estabelecido em 2000, pela Emenda Constitucional 29, conseguiu manter um pequeno piso, em crescimento insuficiente para lidar com a aspiração do SUS.

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Para atingir um sistema realmente universal e igualitário é preciso criar mecanismos tributários que garantam recursos públicos adequados, mas que também sejam capazes de alterar o padrão predominantemente privado do gasto com saúde no Brasil.

*Artur Monte Cardoso é professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (UFRJ); Lucas Andrietta é professor da Faculdade de Medicina (USP). Os autores escreveram o artigo a pedido do Blog Política&Saúde.

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