A MUNICH PAULISTA

 

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Por Guaracy Mingardi
Atualização:

A situação da segurança pública em SP está deteriorando rapidamente. O primeiro semestre do ano registrou um grande aumento nos crimes violentos. Só na capital foram 622 homicídios, crescimento de mais de 20%. E os números são apenas a ponta do iceberg. Praticamente invisível aos olhos do público se oculta um conflito cada vez mais violento. Durante a última semana, por exemplo, um policial civil teve o corpo parcialmente queimado por ladrões que o identificaram como tira. É mais um caso preocupante da escalada da violência entre policiais e criminosos, que está por trás de vários homicídios não esclarecidos.

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Diversos policiais foram mortos nas últimas semanas e em alguns casos existem indícios que foram vítimas de execução. O outro lado da moeda é o aumento das chamadas "resistências seguidas de morte", que ocorrem quando o policial mata alguém em serviço. A leitura atenta do noticiário também revela a volta das chacinas, algumas aparentemente praticadas por grupos de extermínio que incluem policiais. A impressão que fica é que para conter os criminosos o Estado está apelando para a violência, o que provoca retaliações, que provocam novas mortes, etc. E no meio dessa guerra polícia X ladrão fica a população, que leva chumbo dos dois lados.

Existem dois momentos que marcam essa espiral da violência. O primeiro acorreu a mais de 30 anos, quando a ditadura militarizou a repressão ao crime. Quando falo da militarização não me refiro a existência ou não das Polícias Militares, mas sim da ideia vigente no começo dos anos 70, quando oficiais do exército comandaram a PM, de que "vagabundo bom é vagabundo morto". Essa atitude levou ao aumento do número de suspeitos mortos e quebrou um acordo vigente em muitos países. A base desse acordo é que o criminoso que se entrega vai para a cadeia, só aquele que atira na polícia corre o risco de morte. Essa lei não escrita tem um desenvolvimento perverso, a cláusula que transforma quem mata um policial em presa legítima de qualquer colega do morto.

Quando essa regra foi quebrada o número de policiais mortos aumentou, pois alguns criminosos começaram a resistir e atirar na polícia, enquanto outros partiram para a represália. Assim os dois lados entraram numa espiral de violência, transformando São Paulo num dos locais do mundo onde a polícia mais mata e mais morre.

Em 2006 ocorreram as grandes rebeliões nos presídiose os ataques do PCC a polícia. Foi quando o Estado fez um acordo com a organização criminosa. Deu a eles regalias na cadeia em troca de manter o sistema prisional e as ruas calmas. O ponto alto desse acordo foi uma viagem feita num avião da PM ao interior do Estado por policiais e funcionários da Secretaria de Assuntos Penitenciários. Nessa viagem encontraram com Marcola, um dos mentores dos ataques e líder do PCC. O que foi conversado não se sabe, mas os ataques e rebeliões diminuíram muito depois disso.

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As fontes da Secretaria de Segurança dizem que o pacto é invenção da imprensa. Já os policiais confirmam em off a existência dele, mas acreditam que é apenas um acordo tácito. Tenha sido ou não verbalizado pelos dois lados, o fato é que depois disso as rebeliões diminuíram drasticamente, mas em compensação o controle do PCC sobre os presídios cresceu. A ponto dos agentes nem poderem mais entrar no pátio da penitenciária no horário do banho de sol (informação de uma pesquisadora que entrevistou presos em todo o Estado). Outro sinal desse controle é a regra de que nos dias de visita, as famílias dos membros do PCC tem prioridade, o resto fica para depois.

O conflito ficou morno por alguns anos e só esquentou após o rompimento de dois itens do acordo. O mais importante era a proibição de mandar para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) os líderes do "partido", mas alguns meses atrás um deles foi despachado para essa "cana dura", onde passa a maior parte do tempo na solitária. Outra quebra do acordo foram os maltratos que algumas mulheres teriam sofrido durante a revista de um ônibus quando iam visitar seus maridos presos.

O PCC então passou à ofensiva, a polícia revidou pesado e a guerra voltou, mas num patamar diferente. Depois de tantos anos dominando mais de cem mil presos no sistema paulista o PCC cresceu. Ganhou adeptos e experiência. Hoje em dia tem um poder nas ruas que não tinha há seis anos. Cada preso que ingressa no sistema sofre uma doutrinação do "partido" e muitos aderem ao Primeiro Comando. A lição disso é que enquanto São Paulo não controlar novamente suas cadeias a prisão de criminosos servirá apenas para fornecer mais recrutas para o PCC.

O pacto feito em 2006 lembra o de Munich, em que França e Inglaterra aceitaram as condições de Hitler e entregaram a Checoslováquia para obter uma falsa paz. Por conta disso tiveram que enfrentar uma Alemanha mais forte um ano depois. Através de um acordo espúrio o governo deu 6 anos ao PCC para se fortalecer. Agora todos nós estamos pagando a fatura.

 

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Artigo publicado no Estadão, caderno Aliás, em 19/08/2012

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