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Por Estadão
Atualização:

O Estado de S.Paulo

Faltam poucos dias para o encerramento dos trabalhos legislativos de 2010 - e também da atual legislatura -, mas há tempo mais do que suficiente para que o Congresso aprove um projeto que ainda nem foi apresentado, mas certamente será, elevando em 61,8% os salários de deputados e senadores e, de quebra, o do presidente da República em 134%. Responsável pela elaboração do projeto, o quarto-secretário da Câmara, deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), ressalva que caberá à Mesa Diretora da Casa a decisão sobre a oficialização ou não da proposta. A ressalva é apenas formal, pois não há motivos para duvidar de que o projeto será oficializado, votado e aprovado em tempo recorde. Entende-se que, a cada quatro anos, devam ser corrigidos os vencimentos dos congressistas, do presidente da República e, por extensão, de deputados estaduais e vereadores, pois, embora baixa para os padrões históricos brasileiros, a inflação persiste e corrói o valor real dos rendimentos de todos, deputados, senadores e brasileiros em geral. Mas os cidadãos, e os contribuintes em particular, não podem entender a razão de um aumento como o que os parlamentares pretendem dar a si mesmos, a pretexto de recompor o valor real de seus vencimentos. Nada justifica o porcentual desse aumento. A inflação oficial medida pelo IPCA dos últimos quatro anos (de 2007 até agora, admitindo-se que em 2010 seja de 5,63%) é de 20,93%; a alta acumulada do INPC, utilizado para corrigir os salários no setor privado, é de 22,41%. Qualquer que seja o índice, sua variação é de apenas um terço do aumento que os congressistas pretendem aprovar. Nem mesmo o salário mínimo, que ao longo do governo Lula vem tendo aumentos reais anuais, crescerá tanto. Se for fixado em R$ 540 para 2011, como está previsto na versão mais recente do projeto do orçamento para o próximo ano, o salário mínimo terá aumentado 42,11% em quatro anos. A variação de 61,8% resultará da equiparação da atual remuneração dos deputados e senadores, de R$ 16.512, à dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que é o teto do funcionalismo público e hoje está fixada em R$ 26.723. No caso do presidente da República, como o salário atual é de R$ 11.420,21, o menor entre os chefes dos Três Poderes, a variação porcentual será bem maior. "O aumento é para todos", explicou Marquezelli à repórter Denise Madueño, do Estado. "Vamos equiparar todos com o teto e acabar com essa lambança de, de quatro em quatro anos, ter de discutir o valor." Entenda-se "todos" em sentido restrito, pois a expressão designa todos os que frequentam os estreitos círculos do poder, mas só eles. Os brasileiros comuns estão excluídos. Quanto à expressão "lambança", o dicionário registra, entre outros sentidos, os de "embuste", "trapaça", "conversa fiada", "patranha", "vadiagem". Alguns deles parecem adequados para o caso. O que não parece certo, pelo histórico das atitudes dos parlamentares, é que essa superlambança venha a ser a última. A intenção dos deputados era vincular o salário dos parlamentares aos dos ministros do STF. Desse modo, sempre que os membros do Supremo tivessem aumento, os congressistas seriam automaticamente beneficiados, sem necessidade de expor publicamente suas ambições financeiras. Mas descobriram que essa vinculação exige uma emenda constitucional, cuja tramitação é muito mais demorada - e mais desgastante do ponto de vista político. Mesmo assim, há disposição dos deputados de apresentar uma proposta de emenda constitucional nesse sentido. Será outra lambança. Não é apenas pelo índice indecentemente excessivo, se comparado com a variação do rendimento da imensa maioria dos brasileiros que vivem de seu trabalho, que a iniciativa dos congressistas causa indignação. É também pelos efeitos em cascata de uma decisão como essa. Os deputados estaduais recebem até 95% do valor pago aos deputados federais e os salários dos vereadores variam de 20% a 75% da remuneração dos deputados estaduais.

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