Dilema do juro desafia a nova equipe

De um lado, governo Dilma quer baixar fortemente a taxa básica da economia; de outro, eleva os gastos públicos, que pressionam a inflação

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Por Redação
Atualização:

Fabio Graner e Fernando Nakagawa, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Quem ocupar a presidência do Banco Central (BC) no próximo governo terá de administrar o dilema básico da política econômica do governo de Dilma Rousseff: como cortar o juro num País em que o governo insiste em elevar gastos e injetar dinheiro na economia via crédito. São ações contraditórias, pois as despesas do governo e o consumo elevado tendem a puxar a inflação para cima. Dessa forma, torna-se necessário aumentar os juros. A presidente eleita já disse que pretende chegar ao final de seu governo com os juros reais (taxa que desconta a inflação) em 2% ao ano e indicou que gostaria de um corte na taxa já no início de 2011. Técnicos do BC achavam que era possível cortar a taxa no segundo semestre, caso o setor público fizesse uma economia extra de um ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB). Assim, seria cumprida a meta já fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de obter um superávit primário (diferença entre receitas e despesas, exceto gastos com juros) de 3,3% do PIB, sem a necessidade de recorrer às manobras contábeis que estão sendo utilizadas este ano. Essa perspectiva otimista, porém, foi por água abaixo na sexta-feira, quando o Ministério do Planejamento divulgou as novas projeções econômicas para 2010 e 2011. Os números indicam que, em vez de fazer uma aperto fiscal adicional, o governo vai gastar mais em 2011. Na prática, a meta de superávit primário foi reduzida de 3,3% PIB para 3% do PIB. Esse corte ocorreu porque a meta fiscal é de R$ 117,9 bilhões, o que representava 3,3% do PIB. Mas, como o PIB de 2011 foi corrigido para cima, os R$ 117,9 bilhões agora representam 3% do PIB. Os números contrastam com o discurso mais recente de Dilma, que falou em "apertar o cinto". Ela autorizou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a detalhar estudos sobre uma política de longo prazo pela qual as despesas correntes passariam a crescer menos do que o PIB, de forma a abrir espaço nas contas públicas para mais investimentos. O próprio Bernardo patrocinou outro ato contrário ao ajuste fiscal: na sexta-feira, liberou R$ 18,6 bilhões extras para serem gastos ainda neste ano. A definição do novo salário mínimo, que terá nova rodada de negociações entre governo e centrais sindicais esta semana, também tem impacto direto na previsão de gastos públicos em 2011. Além do impacto fiscal, o salário mínimo interfere na inflação de serviços, lembra uma fonte do governo. O piso do País atua diretamente nos custos de alimentação fora de casa, cabeleireiros e empregados domésticos. Ou seja, o tamanho do reajuste do mínimo determinará o tamanho da inflação de serviços e o nível do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de forma geral, por meio da transferência de renda. Risco Fora do BC, porém, a visão é diferente. Técnicos do governo ponderam que o ritmo da atividade econômica já está em nível que não pressiona a inflação. E assim deve seguir em 2011, abrindo espaço para o juro cair. Na visão desse grupo, o real valorizado e a "guerra cambial" no mundo, cuja consequência tem sido notada na estagnação da indústria, demandariam um corte na Selic o mais rápido possível. A redução no diferencial entre o juro interno e externo diminuiria o apetite dos estrangeiros pela renda fixa no Brasil e a tendência de valorização do real. O juro menor também estimularia a indústria nacional voltar a crescer. É por causa desse cenário que o atual presidente do BC, Henrique Meirelles, teria imposto como condição para permanecer no cargo a preservação da autonomia na definição do juro. O recado desagradou a Dilma. Eles têm agendada uma conversa esta semana. / COLABOROU LU AIKO OTTA

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