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Direto ao assunto

PM bolsonarista agride; e chefe se omite

Manifestantes pacíficos e desarmados são agredidos e feridos por PMs bolsonaristas em Estados governados por ditos socialistas como Pernambuco e estes não punem culpados à altura da culpa

Por José Neumanne
Atualização:

Não foi possível nos atos de sábado, como neste na Paulista, manter distanciamento contra contágio da covid, mas, ao contrário do que diz Bolsonaro, houve mais gente do que as a seu favor. Foto: Taba Benedicto/Estadão

 

Em ao menos 200 cidades brasileiras ocorreram manifestações populares contra o governo no sábado, 29 de maio. Esses grupos se reuniram em passeatas nas quais pediram mais vacina contra a covid-19, o retorno do auxílio emergencial e o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Houve duas diferenças relevantes, em comparação com os comícios ilícitos, de acordo com a legislação eleitoral, convocados pelo chefe do Executivo para tornar viável sua chegada ao segundo turno da eventual reeleição em 2022: havia muito mais gente e ocorreram em todos os Estados e no Distrito Federal. Mas foram menos concorridos do que os atos contra a gestão pública em geral, em 2013. Ou mesmo os protestos que reforçaram o impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016.

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É certo que se debilita o discurso contra as aglomerações, que provocammaiores velocidade e letalidade do contágio da covid-19, patrocinadas pela principal autoridade desta "republiqueta da cloroquina". Pois, mesmo tendo a maioria dos manifestantes usado máscaras, muitas vezes duplas, não foi possível evitar as aglomerações. Deve-se, contudo, levar em conta o fato de, apesar de justo e sensato, esse argumento nunca ter produzido resultados práticos. Pois o chefão do Executivo ainda convoca aglomerações, confronta estupidamente o necessário isolamento social e desafia a lógica e a ciência com a pregação sistemática da dispensa da proteção facial. A propósito, talvez seja o caso de aqui recorrer a uma constatação feita pelo vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunização, o pediatra Renato Kfouri. Segundo ele disse na série Nêumanne Entrevista no Blog do Nêumanne, "a infodemia mata mais do que a pandemia". Ou seja, as mentiras deslavadas do presidente e seus asseclas são mais favoráveis ao novo coronavírus do que a perspectiva de aumento das estatísticas trágicas por culpa dos atos contra sua gestão.

Convém ainda lembrar que as ruas ocupadas por quem se opõe a Bolsonaro disseram muita coisa, apesar dos riscos da aglomeração e de agressão. Ou seja, o povão, de verdade, deu o recado que precisava dar: perdeu o medo, desafiou todos os riscos e disse a Bolsonaro que, sim, é melhor perder a vida lutando do que morrer acovardado, à espera de uma vacina que não chega, sob a égide de comícios ameaçadores c ao alcance de um milhar de policiais gastando o dinheiro público sem máscaras e sem proteção para desafiar publicamente o isolamento social.

Em toda caminhada é preciso dar o primeiro passo e essa passada foi dada sábado, em recado eloquente dado por centenas de milhares de vidas, que não podem ser desprezadas, atiradas na vala-comum ou tratadas com ironia. Como a disseminada pelo membro do gabinete de ódio bolsonarista Tércio Arnaud Tomaz, que ironizou em redes sociais a morte por covid do jornalista Fábio Campana, vacinado. O capetão sem noção agora saberá que muitos desordeiros e oportunistas ao seu redor estão saindo de perto, enquanto fica patente que ele não é o dono do Brasil. O caubói e sua claque que muge dirão que não ouvem as estrelas nem os comunistas. Chegamos a este ponto: quem não apoia este governo nojento e assassino vira automaticamente comunista, para desarmar e retirar o poder de cidadãos inertes diante da gana da profissão predileta do artilheiro profissional que se orgulha de dizimar uma população até agora mantida silente. Mas que, Deo gratias, de repente, desperta neste terrível e atribulado pesadelo.

"Sabe por que tem pouca gente nessa manifestação da esquerda do último fim de semana? Porque a PF e a PRF estão apreendendo muita maconha pelo Brasil. Faltou erva para o movimento. Faltou dinheiro também"disse o presidente a seus fanáticos seguidores, à porta do Palácio da Alvorada. Nem ele nem o seu rebanho conhecem a aritmética básica.

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Os atos de sábado também ministraram uma lição relevante a ser aprendida pelos adversários de Bolsonaro. A Polícia Militar (PM) de Pernambuco agrediu a vereadora petista Liana Cirne, do Recife, teve o rosto atingido por spray de pimenta. O governador Paulo Câmara, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), fundado por Miguel Arraes, disse que o comandante da operação e quatro policiais militares envolvidos na agressão foram afastados das funções e são investigados. Seria ridículo se não fosse trágico. Daniel Campelo da Silva, de 51 anos. perdeu o olho esquerdo,e Jonas Correia de França, de 29, também tem uma vista sob risco. O governo disse que vai acompanhar "a assistência médica aos dois" e acionou a Procuradoria-Geral do Estado para "iniciar o processo de indenização aos atingidos". O evento exigia a demissão do comandante e a expulsão dos PMs envolvidos, ao invés da solução burocrática de hábito.

"Meu desespero e meu medo era que eles caíssem em cima de mim e eu ficasse sufocado. Não teria problema um deles ter me abordado e dado voz de prisão. Nós fomos tão pacíficos que não fomos algemados. Não foi desferida nenhuma palavra de ofensa contra eles", disse o cantor Afroito, arrastado e detido pela PM.

Qualquer brasileiro minimamente informado sabe que as PMs são milícias fardadas a serviço de Bolsonaro, que confessou isso na reunião de ministros em 22 de abril de 2020, que foi possível de ser vista por todos por decisão do então decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello. A omissão do governador de Pernambuco desestimula ações enérgicas de outros que não agem como deveriam para fazerem abortar o autogolpe anunciado por Jair Bolsonaro. Este reproduz nos detalhes mais infames a escalada dos fascistas de Benito Mussolini, descrita no romance sem ficção, do milanês Antonio Scurati, M, o Filho do Século. Ninguém pode alegar surpresa. Não há mais vítimas. E todos os omissos são cúmplices.

  • Jornalista, poeta e escritor

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