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Direto ao assunto

Os desastres naturais que os brasileiros produzem

Sem erupções vulcânicas e tsunamis com muitas vítimas, o Brasil tem sido cenário permanente de tragédias produzidas por descaso e desleixo de ação humana, com efeitos catastróficos

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Por José Neumanne
Atualização:

 

É muito conhecida e repetida a velha piada de humor negro e autocrítica exacerbada, segundo a qual um anjo perguntou a Deus por que teria criado um paraíso tropical no local ocupado no mapa mundi pelo Brasil, diferentemente de outros países atingidos por vulcões e tempestades e com áreas desérticas. "Ah, espere um pouco e você vai ver o povinho que vou pôr para morar lá", teria respondido o Altíssimo. De fato, nunca nosso País foi sacudido pelas lavas do Vesúvio, balneário italiano de Nápoles. Nem atingido pelos ciclones que afligem as comunidades que moram perto do Golfo do México ou pelas areias escaldantes do Saara, comparado com as quais o semiárido nordestino é um oásis. Mas o brasileiro não é um povo que tenha um comportamento elogiável na preservação de belas matas, como a Atlântica ou uma preciosidade das dimensões e da variedade de flora e fauna que habitam a Amazônia, maior floresta tropical do planeta.

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Esse último exemplo é o que mais chama a atenção do mundo e, embora essa atenção possa ter algo a ver com a cobiça ou a inveja de outros países, também não se pode dizer que seja essa a única causa dos efeitos deletérios de desmatamento e devastação da Hileia. Mesmo quando a atividade externa é notória, como no comércio ilícito das madeiras nobres de seus caules, a participação dos infiéis guardiões da mata virgem é óbvia. Este escriba tem constatado em textos muito antigos que as quadrilhas que exploram criminosamente o corte e venda de árvores amazônicas têm contado com a cumplicidade, mais do que sociedade, das elites políticas dirigentes dos Estados da região, principalmente depois que outros produtores de madeira do mundo os expulsaram de seus domínios. Aqui, ao contrário, esses citados beneficiários participam do saque predatório, levando para casa parte dos lucros. Mais do que leniência, nossas autoridades participam dos lucros do negócio, como ficou comprovado pela descoberta dos Estados Unidos da cumplicidade do ex-ministro do Meio Ambiente, do atual desgoverno Bolsonaro, Ricardo Salles. Não se imagine, contudo, que se trata de um caso à parte nem de um episódio recente, pois a prática, além de antiga e lucrativa, é também de gestões anteriores, incluindo opostas inspirações ideológicas.

Outros desastres naturais provocados pela ação maléfica do bicho homem não são perenes, mas sazonais. É pública e notória a incompetência dos serviços públicos de controle dos barcos nos rios ou nos mares brasileiros resultantes de trágicos naufrágios. Como o do barco festivo Bateau Mouche na Baía da Guanabara e os repetitivos afundamentos de barcaças nas águas dos rios da Bacia do Amazonas ou no Recôncavo Baiano. Assim como no exemplo citado das queimadas e dos cortes criminosos das árvores das florestas, nesses casos, o descaso tem início na clássica definição de acidentes naturais que lhes são dados. Os deslizamentos que resultam em soterramento de moradias precárias nos morros da periferia do Rio de Janeiro e de outras regiões metropolitanas ou ao longo do traçado das rodovias que cortam o dito País continental de Norte a Sul. Tais de suas atrações nos casos urbanos ou da falta de manutenção das estradas, a equivocada prioridade adotada por governos sôfregos para transporte de cargas e de passageiros.

"Acidentes" repetem-se em vários locais, como o desabamento da falésia na praia do Pipa, no Rio Grande do Norte, que matou casal e seu bebê, e das dez mortes de turistas atirados ao fundo do lago da hidrelétrica de Furnas, em Capitólio, Minas Gerais pelo descolamento de uma rocha que surpreendeu viajantes por falta do mínimo zelo de autoridades federais, estaduais e municipais, incapazes de destinar parte de seus lucros com o negócio ao pagamento de perícias técnicas preventivas.

Esse acidente ocorreu no mesmo Estado e na época em que se chorava o terceiro aniversário do mar de lama de rejeitos minerais que escorreram de uma represa pelo leito assassinado do rio Paraopeba. O desastre industrial, humanitário e ambiental, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, causou a morte de 270 pessoas, incluindo seis desaparecidas, em números oficiais divulgados em 29 de dezembro de 2021, com a identificação da 264.ª vítima. O último corpo identificado havia sido encontrado em 1.º de setembro. A tragédia fez com que o Brasil se tornasse o país com o maior número de mortes neste tipo de acidente, somando-se a outros dois desastres com perdas humanas ou graves danos ambientais: o rompimento da barragem da Herculano Mineração, em Itabirito (2014, com três mortes) e o rompimento da barragem em Mariana (2015, com dezenove mortes).

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Às vésperas do terceiro aniversário, ainda restam corpos a serem entregues a famílias, indenizações a serem pagas e problemas a serem resolvidos na Justiça. Além de registros preocupantes de barragens em situação similar a que desabou. Em Minas e no vizinho Estado da Bahia, as chuvas de verão provocaram 10 mortos e 12 mil desabrigados em 51 municípios, repetindo de forma ainda mais dramática o que ocorre ano após ano na Serra Fluminense.

Incúria de municípios, Estados e União, além de enormes conglomerados empresariais, como a mineradora Vale, e da lerdeza da Justiça são verdadeiras responsáveis por esses desastres nada acidentais provocados por ação não humana, mas desumana de inúmeros brasileiros. E seria um otimismo exagerado imaginar que não se repetirão. Qual o quê!

*Jornalista, poeta e escritor

 

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