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Direto ao assunto

O minuto e a chance dos picaretas da vacina

Tentativas absurdas de incriminar quem evitou compra bilionária de vacina indiana para enriquecer mais amigão do primogênito de Bolsonaro comprovam corrupção descarada do desgoverno federal

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Por José Neumanne
Atualização:

 

Às quintas-feiras, após o sol se pôr, o presidente Jair Bolsonaro cria, dirige e apresenta o mais cínico espetáculo do disfarce que ele usa para exercer seu mandato, conseguido legitimamente em eleições diretas, sem ter de trabalhar e, assim, governar. Considerando a pertinácia e a impossibilidade de mentir tantas vezes e de forma tão grosseira, ningucapaz de disputar a primazia da caradura e dos maus gpgp e de os maus carateres e gosto com o chefe entre os que se apresentam como coadjuvantes em privadas piruetas solo. Então, urge classificá-las como hors-concours.

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Mas não convém afastar a hipótese de que alguns se acerquem do apanágio da imperfeição na disputa pela náusea máxima e pela extrema repulsa. Em 29 de julho o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o controlador-geral da União, Wagner Rosário, bateram recorde em asco, que pertencia a quem parecia imbatível, Onyx Lorenzoni, à época secretário-geral da Presidência. Em 23 de junho, com ar de espanto de quem tinha discutido a relação com o cramulhão de rabo e enxofre, o ex-chefe da Casa Civil, ex-ministro da Cidadania e encarregado de reconstruir o ex-extinto Ministério do Trabalho, mantendo a grana grossa da Previdência sob seu controle, anunciou a incriminação dos denunciantes por delito grave.

Cumprindo ordem específica do aloprado-em-chefe, Jair Bolsonaro, o renitente malogrado-geral da República (com fiascos reconhecidos nas três pastas que ocupou) acusou os irmãos Miranda de "denunciação caluniosa", crime favorito dos bolsonaristas leais. O procurador-geral da República, Augusto Aras, expoente da militância lulobolsonarista, incluiu no inquérito sobre a acusação de que o amado chefão tentava interferir politicamente na Polícia Federal (PF), o que já se acha devidamente comprovado, o acusador também acusado Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública do mesmo desgoverno.

Trata-se de vil traição a que se negaria Judas Iscariotes. Pois o deputado federal Luís Miranda e seu irmão Luís Ricardo Miranda, servidor de carreira do Ministério da Saúde, bolsonaristas de raiz, procuraram o inquilino inquisidor da Presidência para avisá-lo de boa-fé de maracutaia prestes a ser concluída no "sacrossanto" ambiente desgovernamental: 20 milhões de doses do imunizante por R$ 1,6 bilhão. No Palácio da Alvorada, o "mito" deles lhes garantiu que avisaria ao "degê" (diretor-geral) da PF, gente de sua confiança e de seus filhotes. O encontro foi mantido sob rigoroso sigilo por 98 dias até a dupla contar tudo na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado. Desde 26 de junho, a autoridade máxima da República cala, portanto, consente, a respeito da narrativa dos irmãos, incluindo a parte em que o anfitrião levantou a suspeita de que a compra de vacinas indianas fizera parte de um mistério ao abrigo do desgoverno, Ricardo Barros, seu líder na Câmara.

Onyx Lorenzoni, exonerado da Casa Civil sem nada ter deixado de positivo, e do Ministério da Cidadania, quando não conseguiu distribuir a contento auxílio emergencial para pobres vítimas da pandemia, fez o serviço sujo do chefão para evitar que este tivesse de passar vergonha a esse respeito. Como se fosse secretário-geral da Presidência de Cuba, Venezuela ou do 3.º Reich, avisou que haviam sido baixadas ordens de cima para investigar quem denunciara. Missão múltipla a cargo de Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União, Procuradoria-Geral da República e, last but not least, PF, sob as ordens do "degê" amigo, Paulo Maiurino. Aos berros, como se estivesse sugando mate com peões de sua estância, Onyx acusou o servidor de falsário. No dia seguinte, terça-feira 29, a maldita imprensa descobriu que a invoice constava dos documentos na memória dos computadores do Ministério da Saúde e a primeira versão planaltina desmanchou-se como antiácido em água fria. Mais duas versões foram lidas de forma "constrangida" e primária pelo líder do desgoverno no Senado, Fernando Bezerra Coelho. Ambas dignas do Guinness: o ex-ministro Pazuello teria sido encarregado de investigar e passado a bola para o acusado, coronel Elcio Franco, que negou irregularidades em 24 horas. Um dia antes de quem mandava pedir o boné de volta de quem obedecia.

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Desde então, a turma da ladainha do demo repetido o refrão: "Ninguém pagou, ninguém recebeu, ninguém delinquiu". O negócio "miou", como reza a gíria, porque Luís Ricardo Miranda não autorizou adiantamento de R$ 225 milhões a Francisco Emerson Maximiano, da Global, que vende e não entrega desde o governo Temer (ministro da Saúde, Ricardo Barros). Mas nem isso os mandriões reconhecem. Ao contrário, num show de circo tampa de penico, o aloprado-geral da República, capitão do Exército Wagner Rosário, execrou a CPI e os irmãos delatores. A seu lado, o sinistro da Saúde, cardiologista Marcelo Queiroga, depois que o laboratório Bharat Biotech rescindiu contrato com a Precisa Medicamentos e ainda negou serem de sua lavra documentos falsificados (como demonstrou a senadora Simone Tebet), também mandou cancelar o contrato da compra da vacina, cuja autorização para uso emergencial foi negada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nego, não perco, seria parco, se não fosse porco, suspira o pagador de impostos após esse festival de esperteza demente e abjeta.

O Mussolini da motociata de Presidente Prudente ameaça, impunemente, o calendário eleitoral vigente. E na república de picaretas pés-de-chinelo, como Amilton de Paula, Luiz Dominguetti e Cristiano Carvalho, sempre terão minuto e chance, seu ministro e seu "comissionamento", como Nhô Augusto Matraga tivera sua hora e sua vez.

*Jornalista, poeta e escritor

(Publicado no Blog do Nêumanne em 2 de agosto de 2021)

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