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Direto ao assunto

Nova política é a velha disfarçada

Chefe da Casa Civil, líder do governo no Senado e advogado-geral da União, segundo Bolsonaro futuro ministro do STF, são exemplos de práticas antigas disputando fantasia original

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Por José Neumanne
Atualização:

Bolsonaro com Alcolumbre, Maia, Ônyx e Coelho, em reunião de cúpula do acordão da cúpula dos três poderes no Palácio do Planalto. Foto: Marcos Corrêa/PR

O capitão reformado Jair Bolsonaro e o Cabo Daciolo apareceram na disputa presidencial de outubro de 2018 como os únicos candidatos sem capivara pública e notória, entre os suspeitos de terem recebido propinas de empreiteiras em obras públicas no Brasil e no exterior. O bombeiro entrou para o folclore político, como o dr. Enéas e o rinoceronte Cacareco. O oficial, que se havia retirado da tropa de fininho num acordo que incluiu uma votação fajuta no Superior Tribunal Militar (STM) - vide O Cadete e o Capitão, de Luiz Maklouf de Carvalho -, despiu a farda, pôs a gravata de político e se enfronhou no baixo clero para vencer a eleição. Retirado das ruas por uma facada que quase o matou e recorrendo à circunstância para faltar a debates em meios de comunicação, o retirado de 29 anos em práticas parlamentares recebeu votos dos antipetistas e de inimigos da corrupção. Adotou, então, o evangelho da nova política.

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Nostálgico da ditadura militar, devoto do coronel Brilhante Ustra, notório torturador da guerra suja, Bolsonaro conquistou um eleitorado fanático pelas redes sociais sob o comando de seu filho Carlos, ocupante licenciado de uma cadeira muito pouco frequentada da Câmara Municipal do Rio. Juntou no mesmo embrulho a economia liberal de Paulo Guedes, a competência demonstrada pelo então juiz Sergio Moro, tornado símbolo nacional da coragem de mandar bandidos de colarinho branco para a cadeia, e o fanatismo ideológico de direita de combatentes na área dos costumes, entre os quais se destacam o chanceler Ernesto Araújo e o ministro da "educassão", Abraham Weintraub.

Poucos perceberam que, além do próprio chefe do governo, o saco de gatos foi completado com felinos habituados ao aconchego da velha política. Além do Bolsonaro pai, os três filhos na maturidade também são egressos das manhas e manias da Realpolitik tupiniquim. O primogênito Flávio era deputado estadual no Rio, Estado do qual conquistou uma das vagas no Senado. O número 02, Carlos, continua, agora licenciado, fingindo que é vereador na antiga capital federal. E o caçula entre os maduros acaba de completar 35 anos, idade suficiente para almejar o Embaixada do Brasil em Washington. O veterinário gaúcho Onyx Lorenzoni milita no DEM, cujas origens se enraízam na velha Arena, partido fundado para dar "legitimidade" aos governos militares, do qual saíram expoentes "liberais" como José Sarney, Marco Maciel e ACM.

O presidente do DEM é ACM Neto, prefeito de Salvador, mas, impossibilitado de disputar o governo da Bahia e repetir a saga do avô pelo fato de o esquema que o Malvadeza, que também era Ternura, estar hoje sob controle do petroleiro carioca que ganhou a Bahia, Jaquinho Wagner, e seu manobrado da ocasião, Rui Costa. Ambos ganham quantas eleições disputarem na Boa Terra, onde Neto, que Dilma, com aquela finesse de que só ela seria capaz, apelidou de Tampinha, nem ousa candidatar-se a alçar voos mais altos do posto de que Antônio Carlos Magalhães decolou.

O DEM, como se sabe, é um partido discreto que manda e desmanda na República, com ou sem autorização de Jair Bolsonaro. Seus sobas, em conversas nem sempre reservadas, nem sequer lhe permitem o poder constitucional do veto. Partido insignificante em total de votos na urna, perdendo nesse item para o decadente PT, ocupa os três postos mais importantes da velha República fantasiada de nova. O ponto - aquele funcionário que sopra do poço da orquestra textos para os atores não se esquecerem de dizê-los - dá as ordens do patrão para os subalternos de seu gabinete, vizinho ao do chefe. Dali participou da unção ecumênica de Rodrigo Maia, salvo pelo gongo no fim da fila do voto proporcional para a bancada fluminense na Câmara, com 75 mil votos. Alcunhado de Botafogo, time de sua devoção, ou de Bolinha, por causa das luzidias bochechas que lembram as do personagem da quadrinista americana Marge, Maia atua e fala como se fosse primeiro-ministro de um parlamentarismo inexistente. Escolhido pelo apoio ecumênico de Orlando Silva, do PCdoB, e de bolsonaristas, comandados por Onyx, realiza o sonho de seus ancestrais, do coronelismo patriarcal, sempre aliados do presidente Epitácio Pessoa e homiziados em Catolé do Rocha, de onde mandaram e desmandaram na política provinciana da Paraíba (João Agripino) e do Rio Grande do Norte (Tarcísio, Lavoisier e, por extensão conjugal deste, Vilma). O pai, César Epitácio, foi o mago das finanças do socialista moreno gaúcho Leonel Brizola e desfez a velha aliança de 1930 da chapa Getúlio e João Pessoa para fincar âncora na Guanabara como prefeito do Rio.

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Se Onyx foi discreto por interesse na escolha do neto de Felinto Epitácio Maia, despachou a discrição para planejar, patrocinar e realizar a eleição de Davi Samuel Alcolumbre. Como Rodrigo, filiado ao DEM, disputou o lugar que Renan Calheiros tinha amplas condições para vencer. O descendente dos Calheiros, que travaram uma guerra de pistoleiros nos anos 70 do século passado em Murici, no sertão de Alagoas, foi líder de Collor, ministro de Fernando Henrique e Lula e articulador político de Dilma no Congresso, quando o presidiu - currículo que findou sendo fundamental para a derrota na disputa pela presidência do Senado. Perdeu-a para o nada ilustre desconhecido Davi Alcolumbre, que acabava de ser derrotado para governador de seu Estado, o Amapá. Este começara a segunda metade do mandato de senador, conquistado em 2014 com poucas perspectivas de ter qualquer destaque capaz de retirá-lo da sombra.

Escolhido a dedo por Onyx, Batoré (apelido baseado na palavra de origem indígena mba'e, segundo o Houaiss, coisa, e usado para definir pessoa de baixa altura e forte compleição) comandou a eleição fraudulenta (82 votos de 81 senadores) que alijou o alagoano da chefia da Mesa. Mas logo Renan se tornou seu principal espírito-santo, passo que teve num antigo companheiro de MDB do outro, o ex-presidente José Sarney, certamente um competente alcoviteiro. O inimigo sobrevivente do feroz cabo Omena, da PM alagoana, pode ter sido um mestre eficiente ao lhe ensinar como engavetar, em cumplicidade com Roberto Rocha, tucano do Maranhão e relator, a investigação sobre a autoria ignota do voto duplo em processo transmitido ao vivo, em som e imagem, para todo o Brasil.

Atribui-se ao mesmo chefe da Casa Civil a indicação de outro modelo de política antiga a ornar sua sala de troféus no Planalto. O senador Fernando Bezerra Coelho, do MDB, tem também origens oligárquicas, pois descende em linha direta de Duarte Coelho, primeiro capitão-mandatário da capitania hereditária (!) de Pernambuco. É notória sua passagem pelo Ministério da Integração Regional do governo petista de Dilma Rousseff. Sob essa gestão, o Brasil empreendeu a obra mais espúria da História independente. Realizando um sonho alimentado pela emoção do imperador dom Pedro II em visita ao Açude do Cedro, no Ceará, o nordestino Luiz Inácio Lula da Silva empreendeu a transposição do Rio São Francisco para o Semiárido nordestino. Os delatores João Pacífico, da Odebrecht, e Jorge Henrique Marques Valença, da Galvão Engenharia, contaram haver dado propinas de R$ 5,5 milhões ao senador, que fora do grupo de Miguel Arraes, na pessoa do herdeiro socialista do avô, Eduardo Campos, e a seu filho, Fernando Filho. O dinheiro rolou de pai para filho. Mas não a água. A obra, inaugurada por Temer e depois festejada por Dilma e pela turma do "Lula livre", parou no meio do trajeto, em Sertânia (PE), 202 quilômetros ao sul de Boqueirão, açude que abastece 62 municípios paraibanos, entre os quais o segundo mais populoso do Estado, Campina Grande.

A transposição do Velho Chico é o logro dos logros, festejado pelos sertanejos sedentos. A imagem perfeita para um de seus maiores beneficiários, o senador que ocupa um gabinete pretensamente de líder do governo antipetista e contra a corrupção de Jair Bolsonaro. Mas na prática, por sua atuação, é líder do Senado no governo. Um de seus mais notórios feitos foi uma emenda derrotada na votação da medida provisória da dita reforma administrativa da atual gestão. De sua autoria, o texto tentava impor mordaça a auditores fiscais, mas, mesmo sendo muito popular entre parlamentares temerosos, suspeitos, acusados e condenados do combate à corrupção na Câmara Alta, ela era tão vergonhosa que não passou.

A Realpolitik, dita velha política, continua mandando no Planalto.

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  • Jornalista, poeta e escritor

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