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Direto ao assunto

Mais disparates de Toffoli

Ao atribuir destruição de empresas corruptas à Lava Jato, que apenas as denunciou, e reclamar da falta de transparência do MPF, presidente do STF ultrapassa limites da inteligência e da lucidez

Por José Neumanne
Atualização:

 

Para Toffoli, Lava Jato destruiu empresas e MP é pouco transparente. Essa é a manchete do Estado no alto da primeira página da edição desta segunda-feira 16 de dezembro de 2019. O destaque foi dado à entrevista exclusiva do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, ao repórter Luiz Maklouf Carvalho. E é merecido pela importância do entrevistado, pela credibilidade do entrevistador e pelas consequências funestas do disparate na higidez do Estado de Direito por causa da relevância do cargo exercido por quem o enunciou. Como diria o assassino serial londrino Jack, o Estripador, vamos por partes.

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"A Lava Jato destruiu empresas - o que jamais aconteceria nos Estados Unidos", disse o entrevistado. O enunciado é evidentemente estúpido e nem sequer é original. Proprietários e executivos de diversas companhias privadas, envolvidas, ou não, nos processos abertos na Justiça a partir das investigações empreendidas pela força-tarefa da operação citada, já o repetiram em entrevistas e palestras. Parlamentares dos partidos de esquerda, cujos dirigentes e militantes perdem noites de sono diante da possibilidade de terem de atender a chamados à sua porta de agentes federais à cata de corruptos, caso de Gleisi Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), o tornaram refrão de ladainha. Sem falar no corrupto e lavador de dinheiro Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em três instâncias por 9 a 0, e que não se casa de repeti-la sem parar.

Que o façam, como é useiro e vezeiro, advogados de ricaços, entre os quais alguns gatunos de dinheiro público, não é de estranhar, de vez que essa hipótese justifica seus clientes por terem de responder na Justiça em pedidos de recuperação judiciária. Com recordes absolutos alcançados recentemente pelas campeãs nacionais de benefícios estatais, caso da telefônica Oi e da empreiteira Odebrecht, não há de causar estranheza a ninguém. Afinal, a imposição do argumento esquerdista como verdade absoluta de hábito adiciona a seus honorários alguns zeros à direita.

O currículo de Sua Excelência aponta nessa direção. A imposição constitucional a qualquer ministro do STF de notório saber jurídico passa a quilômetros-luz de seu currículo, anunciado, iniciado e encerrado nas antessalas de dependências do PT de Lula e seu lugar-tenente José Dirceu. O bacharel de Marília nunca assinou uma obra que possa ser considerada indispensável na biblioteca de qualquer estudante de Direito. Quando ele próprio frequentava aulas era vassalo do PT, condição que assumiu depois como assessor jurídico de bancadas e da Casa Civil dos petistas citados

De advogado-geral da União, cargo palaciano a que foi levado no primeiro desgoverno Lula, depois de ter sido assessor jurídico do então chefe da Casa Civil, José Dirceu, ele foi guindado à condição de mais jovem ministro do STF pelos dois padrinhos da vida inteira. E a ambos permanece fiel até agora, como quando patrocinou a mudança semântica radical de adotar a expressão "vir a ser preso" como sinônima de "considerar culpado" no artigo 5.º, inciso LVII, da violada Constituição federal. Até hoje não é do conhecimento dos seres humanos não submetidos à lavagem de creolina no cérebro, contudo, que a dita Carta Magna tenha adotado o desvario de exigir do Ministério Público Federal (MPF) o dever cívico de salvar da derrocada financeira chefões e quadrilhas do crime organizado, das altas direções de partidos e empresas.

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Assim sendo, certamente não é cabível que o ocupante ocasional do mais alto posto do poder judicante invista o total capital de credibilidade da instituição que preside no uso de álcool gel nas mãos sujas dos gestores de empresas que usaram dinheiro público para enriquecimento pessoal. Ou dos agentes públicos que disso se aproveitaram, mesmo que fosse apenas para aumentar o poderio financeiro das organizações partidárias em que militam e que dirigem. Portanto, a notícia é importante, mas o palpite é pra lá de infeliz, pois acusa agente público que cumpriu seu dever de denunciar e investigar responsáveis por má gestão de sociedades privadas, mais do que de cumplicidade, até de prática de crime. Seja qual for a causa dessa mentira infame, ela desqualifica o ocupante do poderoso cargo. E é importante que ele seja punido, se possível afastado deste, antes que a infâmia contamine os outros dez membros e também a instituição inteira.

No fim de semana anterior à publicação da brilhante entrevista de Luiz Maklouf Carvalho, o colega Eduardo Militão, do UOL, ouviu, também com exclusividade, membro da alta cúpula do Judiciário com reputação ilibada e notório saber jurídico comprovado pelos fatos, e não por compadrio na indicação. Trata-se de Og Fernandes, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STF), ocupando atualmente vaga dessa Corte no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sem tratar especificamente das mentiras absurdas exaradas por Toffoli, o pernambucano asseverou: "A sociedade precisa confiar no Judiciário porque o Judiciário é, entre os Poderes, aquele que se manifesta por último. É fator de equilíbrio entre os diversos Poderes e da própria sociedade. Se tivermos, como em qualquer outra atividade humana, pessoas cuja conduta não esteja adequada ao seu papel, as situações serão resolvidas pelos caminhos constitucionais normais". Urge esclarecer que ele não quis forçar o cidadão a respeitar o órgão superior do Judiciário, seja qual for. Mas ficou claro que se referiu à necessidade de os referidos órgãos se fazerem respeitar pela cidadania. Afinal, como esclareceu, essa é uma obrigação adquirida pelo fato de ser o último Poder a julgar, inclusive os outros dois Poderes.

A questão fica no ar quando se questiona que a Constituição deu ao Senado o poder de impedir a nomeação tresloucada de um chefe de governo federal, pois esta sempre dependerá do resultado da sabatina à qual se expôs e exporá sempre qualquer indicado. Em recente artigo publicado na página de opinião do Estado de S. Paulo, citei memorável encontro em que o colega Carlos Marchi e eu ouvimos uma sábia afirmação de outro jornalista mais experiente, Flávio Tavares, autor de Memórias do Esquecimento, que o genial romancista argentino Ernesto Sábato considerou merecer o epíteto de "Recordação da Casa dos Mortos (de Dostoievski) da América Latina". Tavares, que foi trocado por Charles Elbrick em célebre sequestro no Rio, alertou sobre a nefasta perspectiva de convivermos com os frutos da ignorância do então presidente Lula.

Toffoli tem nos dado exemplos inesquecíveis da lucidez do mestre. A histórica entrevista a Maklouf nos apresenta a outras pérolas porcinas não tão relevantes, mas reveladoras da escassa inteligência de quem a tem. No país em que a carência de saneamento básico faz de milhões de miseráveis vítimas das doenças pulmonares dos esgotos a céu aberto das "comunidades" pobres da periferia, uma tosse intrometida o levou a se queixar do caríssimo aparelho de ar-condicionado daquele que hoje no Brasil só seus membros chamam de "excelso pretório". A referência aos Estados Unidos, parceiro no combate à corrupção, do qual o Brasil se vem afastando --, com recriminações públicas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), por causa das últimas decisões estapafúrdias do STF -- na frase dele citada acima, é, pois, um exemplo absurdo. Mais corriqueira é a sua reclamação de excesso de trabalho numa instituição que evoca para si mesma deveres de outros Poderes da República como formas de adquirir mais poderio. E este naturalmente exige mais dedicação a julgamentos que não lhe cabem, como, por exemplo, a equiparação da homofobia ao racismo, assunto do Legislativo.

Em seu afã de se transformar em Maquiavel de Marília, o ex-garçom petista da Academia da Pizza já teve a pachorra de misturar delito fiscal (da alçada da Receita Federal) com crime financeiro (fiscalizado pelo Coaf que voltou a ser Coaf), na decisão monocrática que perdeu por 9 a 2 no plenário do STF. A liminar blindava, ao mesmo tempo, o primogênito do presidente da República, senador Flávio Bolsonaro, sua digníssima esposa, dra. Roberta Gurgel, e a do colega Gilmar, Guiomar Mendes. E se esta teve início ridículo, atingiu as raias do trágico quando o autor votou contra o próprio relatório, levando o citado cúmplice a fazer o mesmo, com o objetivo de manter a relatoria da dita ação. Para evitar que Alexandre de Moraes não a assumisse por ter dado início ao voto contrário, deixou dois colegas que o seguiram, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, ao relento do abandono ante a execração popular, que ele insiste em desprezar em suas manifestações isoladas ou nos votos em plenário.

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Jornalista, poeta e escritor

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