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Direto ao assunto

Esse drible Ronaldinho aprendeu com Lula

Em vez de se defender de crimes de que é acusado, ex-presidiário acusa promotores e juízes que o denunciaram e condenaram de abuso de autoridade, e ex-craque o imita no Paraguai

Por José Neumanne
Atualização:

 

Ronaldo de Assis Moreira é de uma geração de craques posterior à dos heróis de uma torcida só, seja por terem atuado durante quase toda carreira num único time, seja por terem sido responsáveis por grandes conquistas de determinada equipe. Não que isso seja uma novidade. À época do semiamadorismo ocorreu com um gênio que poucos sobreviventes viram nos gramados, numa época em que seus feitos eram contados em textos de jornais e transmissões de rádio, de vez que a televisão não era sequer projeto. Esse foi o caso daquele que, apesar de poucos terem testemunhado seu desempenho, é quase unanimemente considerado o maior de todos antes do surgimento de Pelé, aos 17 anos, na Copa da Fifa na Suécia. O carioca Leônidas da Silva, o homem borracha acrobata que inventou a bicicleta, foi campeão estadual por Vasco, Fluminense, Botafogo, Flamengo e São Paulo e artilheiro do Mundial de 1938 na França.

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Com o profissionalismo e a negociação de passes, Ademir de Menezes e Roberto Dinamite sempre foram identificados como ídolos do Vasco; Garrincha, do Botafogo; Pelé, do Santos; Dida e Zico, do Flamengo; e Baltazar, do Corinthians -- embora tenham vestido outras camisas veneradas pela torcida. O mercado global de hoje mudou essa exclusividade na idolatria e os deuses dos estádios passaram a ser venerados em várias paróquias. Ronaldinho Gaúcho, seu nome de guerra, começou no Grêmio de Porto Alegre, mas atuou em clubes de massa rivais, como Flamengo e Atlético Mineiro, e brilhou em grandes campeões internacionais, caso do Barcelona. Estreou na seleção brasileira numa Copa América com um gol antológico, descrito por Robson Morelli em sua brilhante coluna do Estado publicada nesta segunda-feira 9 de março. E sagrou-se campeão mundial na Ásia com uma jogada que o goleiro britânico atribui a mero acaso.

Talvez inspirado na própria capacidade de criar lances improváveis, como a falta que cobrou jogando na rede a bola por baixo da barreira, que pulou na certeza de que, como todos os outros, ele cobraria pelo alto, numa partida do Flamengo contra o Santos de Neymar na Vila Belmiro, o artista tem praticado atitudes improváveis fora dos estádios. Assim como o atacante que o substituiu como o melhor do País atualmente na seleção brasileira, o acima citado, essas atuações arriscadas no mundo dos negócios surpreendem muito mais para o mal do que para o bem. A fama que ganhou com a bola nos pés não o tem livrado de consequências nefastas em problemas judiciais que insiste em resolver com habilidade de malabarista e falsa ingenuidade, que engana apenas os mais crédulos.

A exemplo do ídolo que ainda atua, Neymar Júnior, Ronaldo de Assis Moreira complicou-se com problemas tributários na contabilidade recheada de zeros à direita e administrada por um parente muito próximo e também colega de ofício - no outro caso, Neymar, o pai; no dele, Roberto de Assis, o irmão. Assis, como se tornou conhecido o também ex-profissional do futebol sem o talento, a fama e a fortuna do mano mais novo, como ele lançado no Grêmio de Porto Alegre, é seu parceiro em lances contábeis que desafiam as leis fiscais. O mais antigo de que se tem notícia data de 2015, quando os irmãos Ronaldo e Roberto de Assis foram autuados por crime ambiental pela construção sem autorização de um trapiche (ou píer), plataforma para ancoragem de barcos de pesca ou turismo, no Lago Guaíba, no seu Estado natal do Rio Grande do Sul, em área de preservação natural. Pilhada em ilícito por descumprimento de lei ambiental, a dupla foi condenada a pagar R$ 8,5 milhões ao Estado.

Habituada a dar dribles em sequência com a bola sobre a relva, a dupla de ex-craques fez um acordo com a Justiça, mas não o honrou. E, quando foi autorizada a quebra do sigilo das contas bancárias declaradas pelos dois para ressarcimento da multa, foi encontrado um saldo de apenas R$ 24,36 em suas contas bancárias declaradas. E mais: o embarcadouro estava hipotecado e em seu passivo já havia uma grande dívida. Resultado: o passaporte do ídolo foi retido para que não deixasse o País sem antes resolver a falcatrua que pretendeu perpetrar.

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O fantástico astro da pelota também se envolveu num episódio de estelionato explícito. Segundo noticiou o UOL, ele "virou réu em ação cível coletiva por pirâmide financeira". A empresa 18K Ronaldinho é acusada de haver lesado 150 clientes, que o acionam na Justiça cobrando R$ 300 milhões por danos financeiros e morais. Ainda conforme apurou e publicou o UOL, a empresa "dizia fazer marketing multinível e prometia rendimentos de até 2% ao dia, além de prêmios como um Porsche Panamera, a quem comprasse pacotes que iam de US$ 30 a US$ 12 mil (aproximadamente, de R$ 130 a R$ 52 mil). A promessa era auferir rendimento de operações na criptomoeda Bitcoin".

Agora testemunhas de momentos históricos - como na estreia na seleção nacional e seu gol no Japão contra a Inglaterra -, entre as quais o autor destas linhas, foram surpreendidos com a notícia de que ele e o irmão e empresário passaram o último fim de semana (7 e 8 de março) num presídio da Direção de Apoio Técnico do Grupamento Especializado da Polícia Nacional do Paraguai, em Assunção. A primeira acusação é de que os dois entraram no país com passaportes falsos. Depois de um recuo da Justiça paraguaia, ambos foram mantidos presos a pedido do promotor Osmar Legal, encarregado de inquéritos judiciais pelo crime, muito banal na América Latina contemporânea, de lavagem de dinheiro.

Em sua passagem brilhante pelo gigante Barcelona, Ronaldo de Assis Moreira ganhou o direito de usar um real passaporte espanhol. Consta de seu prontuário recente que tentou usá-lo para embarcar em Guarulhos para algum destino longe do Brasil, onde está encalacrado. O documento ficou retido pelo agente encarregado de revistá-lo no embarque.

Os jornais desta segunda-feira noticiaram a reação furibunda e revoltada de seu advogado brasileiro, Sérgio Queiroz, segundo quem "Ronaldo e Roberto não sabiam que (o documento que usaram) era irregular, tanto que o apresentaram livremente, podendo apresentar apenas o documento de identidade". Sem se referir à hipótese de os ex-craques estarem sendo investigados, não mais só pela entrada com documentos falsos no país vizinho, mas também por crime, mais grave, de lavagem de dinheiro, o advogado definiu a detenção como "ilícita, ilegal e arbitrária".

Um leitor por gosto, hábito e obrigação profissional, como é o caso do autor deste texto, já testemunhou esse tipo de atuação de advogados grã-finos à cata de argumentos que podem emocionar torcedores apaixonados, mas dificilmente ultrapassam obstáculos policiais ou jurídicos em investigações de quaisquer crimes, em especial os financeiros. Quem já não leu os da lavra dos defensores dos réus da Operação Lava Jato, entre os quais o ex-presidiário Lula? Na narrativa deles, as alegações do Ministério Público são sempre fantasiosas e com motivação pouco recomendável. Como, por exemplo, o PowerPoint da força-tarefa de Curitiba no momentoso processo do apartamento de cobertura, com propriedade atribuída ao petista, no Guarujá, tema de recurso apresentado pelos advogados ao Conselho Nacional do Ministério Público.

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O torcedor apaixonado de futebol, propagador de metáforas futebolísticas de pouca graça e gosto duvidoso, condenado em três instâncias por 13 juízes, desembargadores e ministros de altos tribunais a zero, hoje está livre, leve e solto. Disponível até para visitar o ex-craque no presídio paraguaio. E faria essa visita em mais um passeio fora do Brasil para se permitir andar pelas ruas de Assunção autografando ou posando para selfies ao lado de fãs e livre dos insultos eventuais que o mantêm preso, embora livre, no apartamento de luxo em que vive em São Bernardo do Campo. Lula poderia, então, cobrar pessoalmente do ídolo de tantas torcidas o pagamento de royalties pela invenção desse drible na legislação financeira. Afinal, o deus dos estádios terá sido apenas mais um a tentar imitá-lo na instrução à iracunda defesa binacional. Talvez não o livrasse de cumprir pena no exterior, mas ao menos seria motivo de uma boa história para contar aos bisnetos.

  • Jornalista, poeta e escritor

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