O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau mandou-me e-mail esclarecendo melhor notícia que dei a respeito de seu despacho sobre habeas-corpus pedido por Zé Dirceu para ser excluído da investigação da morte de Celso Daniel, que foi prefeito de Santo André e coordenador de programa da campanha vitoriosa de Lula da Silva para presidente da República em 2002. Faço questão de publicar a correspondência na íntegra em respeito ao amigo, mas, sobretudo, ao leitor. Pois não me pareceu justo passar a impressão de que o acusei de ter engavetado a petição. Aproveito a oportunosa ensancha para agradecer a gentil correspondência do ex-ministro e também para esclarecer que Zé Dirceu não é acusado pela família de ter participado de quaisquer eventos em Santo André, que ficavam por conta de outro assessor próximo de Lula, Gilberto Carvalho, que era, então, secretário municipal na gestão do assassinado. Mas, sim, de, como presidente do PT, ter recebido deste, conforme relato do próprio ao primogênito do assassinado, o médico e apolítico João Francisco Daniel, malas contendo dólares resultantes de propinas cobradas na gestão dele. Com vocês o ex-ministro e poeta Eros Grau:
Meu caro Nêumanne,
Estou em Paris, onde acabo de ler um artigo, no qual você afirma que "O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux tirou da gaveta liminar de Eros Grau negando, há dez anos, pedido do Ministério Público Federal para investigar Zé Dirceu no contexto da execução de Celso Daniel em 2002".
Não me lembrava do caso, sinceramente. Procurei no site do STF e consegui encontrar a decisão que tomei em maio de 2006 e agora lhe envio em anexo.
Não houve recurso contra essa decisão [veja no site do STF o andamento do processo].
Apenas em março passado o processo teve andamento. Peço-lhe examinar o caso, pois ficou a impressão, no seu texto, de que eu teria engavetado os autos.
Veja decisões do Jobim e da Ellen, que transcrevi em 2006.
Peço-lhe conferir essas informações em favor do nosso respeito mútuo e porque eu, Eros, não engavetei o tal processo., impressão que fica da leitura do seu texto. O MP paulista não recorreu, ao que me consta, da decisão de 2006. E o processo ficou parado até 2013. Sob a relatoria do Fux desde 2011.
Abraço amigo
eros
Abaixo a resolução anexada por Eros Grau a seu e-mail:
Rcl 4336 MC / SP - SÃO PAULO MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 09/05/2006
Publicação
DJ 12/05/2006 PP-00042
Partes
RECLTE.(S): JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA
ADV.(A/S): JOSÉ LUIS OLIVEIRA LIMA E OUTRO(A/S)
RECLDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - GRUPO DE
ATUAÇÃO ESPECIAL REGIONAL PARA PREVENÇÃO E REPRESSÃO AO CRIME
ORGANIZADO - GAERCO/ABC (PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CRIMINAL Nº
01/2006)
Decisão
DECISÃO: Trata-se de reclamação ajuizada por José Dirceu de
Oliveira e Silva contra ato do Ministério Público do Estado de
São Paulo - Grupo de Atuação Especial Regional para a Prevenção e
Repressão ao Crime Organizado - GAERCO/ABC.
- O reclamante
sustenta que, ao instaurar o Procedimento Administrativo Criminal
- 01/2006, visando à investigação da prática de supostos
delitos cometidos na Administração municipal de Santo André,
investigação voltada contra sua pessoa, a autoridade reclamada
desrespeitou decisão proferida nos autos do Inquérito n. 1.828,
Relator o Ministro NELSON JOBIM.
- Observa que o Inquérito n.
1.828 teve por base o Processo Administrativo n. 04/02,
instaurado pela Promotoria da Justiça Criminal de Santo André, no
qual foi ouvido João Francisco Daniel.
- Daí que, em razão das
declarações prestadas pela testemunha, envolvendo o nome do
reclamante, então deputado federal, foram remetidas cópias do
procedimento ao Ministério Público Federal, que formalizou pedido
de instauração de inquérito penal originário perante esta
Corte.
- A decisão proferida pelo Ministro NELSON JOBIM, que
ora se alega ter sido desrespeitada, consubstanciou determinação
de que os autos fossem arquivados. S. Excia. não vislumbrou
indícios consistentes, suficientes para justificar a instauração
de inquérito.
- Entendeu que o Ministério Público estaria
substituindo a polícia judiciária, uma vez que o pedido de
indiciamento do então Deputado Federal tinha por base
procedimento administrativo "com nítidas características de
Inquérito Policial". Concluiu que a prova testemunhal produzida
no âmbito desse procedimento administrativo não tem fundamento
legal.
- O reclamante afirma que Procedimento Administrativo
Criminal n. 01/2006 é idêntico ao que embasou o Inquérito n.
1.828, que foi declarado processualmente imprestável por decisão
deste Tribunal.
- Ressalta, por fim, ser impossível tomar-se
como "fato novo" matérias jornalísticas desprovidas de qualquer
relação com o objeto das investigações, a autorizarem a
instauração de novo procedimento administrativo
criminal.
- Requer, liminarmente, a suspensão do Procedimento
Administrativo Criminal n. 01/2006, até julgamento final da
presente reclamação.
- No mérito, pretende seja ela julgada
procedente, a fim de que se reconheça o descumprimento da decisão
proferida no inquérito n. 1.828, determinando-se o trancamento
do procedimento administrativo com relação ao reclamante.
- É
o relatório. Decido.
- A concessão de medida liminar pressupõe
a coexistência de plausibilidade do direito invocado e de perigo
de dano irreparável pela demora no julgamento final da
demanda.
- O fumus boni iuris decorre de dois aspectos que
apontam no sentido de comprometimento do ato do Ministério
Público do Estado de São Paulo: [i] vício na prova utilizada pela
autoridade reclamada e [ii] ausência de fato novo que justifique
a instauração de outro procedimento administrativo
criminal.
- Verifico, à primeira vista, que o Procedimento
Administrativo Criminal n. 01/2006 foi instaurado com base na
mesma prova declarada processualmente imprestável por decisão de
mérito deste Tribunal.
- Lê-se na decisão do Ministro NELSON
JOBIM [DJ 02.08.2004]:
"A prova com a qual o MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL quer desencadear um Inquérito Policial contra o
SENHOR DEPUTADO JOSÉ DIRCEU não tem fundamento legal.
Sendo ela
a única a embasar a pretensão persecutória, eventual Inquérito
Policial e uma provável Ação Penal Originária dele decorrente,
estariam contaminados por vício de origem na investigação
inicial."
- Com efeito, o nome do reclamante é mencionado
duas vezes no longo depoimento prestado pela testemunha [fls. 87
e 119], que diz ter conhecimento dos supostos delitos a partir
de informações de terceiros, sem que houvesse presenciado
qualquer dos fatos investigados. A autoridade reclamada, por sua
vez, não procedeu à oitiva das fontes citadas pelo depoente para
confirmar a veracidade das informações.
- Decisão de mérito
transitada em julgado declarou a inidoneidade da prova por vício
de origem, vez que obtida em procedimento que não poderia ter
sido promovido pelo Ministério Público.
- Lembre-se, ademais,
que a prova obtida de maneira ilícita contamina os atos dela
decorrentes, bem assim o eventual inquérito policial e a
subseqüente ação penal, eivados de nulidade. Aqui se cuida da
doutrina dos "frutos da árvore venenosa" [fruits of the poisonous
tree].
- Nesse sentido, a nossa jurisprudência, consolidada
nos seguintes precedentes: EDcl-HC n. 84.679, Relator o Ministro
EROS GRAU, DJ 30.09.2005; HC n. 84.679, Relator para o Acórdão o
Ministro EROS GRAU, DJ 12.08.2005; RHC n. 75.497, Relator o
Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 09.05.2003; HC n. 81.993, Relatora a
Ministra ELLEN GRACIE, DJ 02.08.2002.
- Ante a
imprestabilidade da prova produzida e a inconsistência de
indícios, a decisão tida por afrontada determinou o arquivamento
do feito. Apenas novo elemento fático-probatório, produzido de
acordo com as normais processuais, poderia justificar a
instauração de outro procedimento para investigação dos mesmos
acontecimentos.
- O Ministério Público estadual não demonstra,
no PAC n. 01/2006, a ocorrência de fato novo que se preste a
fundamentar sua instauração. Limita-se a juntar aos autos
matérias jornalísticas que não foram reduzidas a termo, e que,
ademais, não guardam relação com o objeto das investigações. O
nome do reclamante é mencionado duas vezes nessas reportagens
[fls. 141 e 300]. Uma delas [fls. 141] dá conta de declaração
feita pelo próprio Promotor de Justiça autor do ato reclamado
[fls. 29] e que, segundo o reclamante [fl. 17], também subscreve
o Procedimento Administrativo n. 04/02.
- Esta Corte
manifestou-se, em outra ocasião, a respeito do tema:
"EMENTA:
Recurso ordinário. Habeas corpus. Acórdão do STJ que não apreciou
questão ventilada na inicial, relativa à Súmula 524 do STF.
Questão da supressão de instância superada. Inquérito policial
desarquivado com base em declarações prestadas à imprensa, não
tomadas por termo, com subseqüente oferecimento de denúncia.
Declarações que, tendo sido produzidas somente através da
imprensa falada, escrita e televisionada, não preenchem o
conteúdo jurídico da fórmula "prova nova", exigida pela Súmula
524 como indispensável para autorizar a propositura da ação
penal, após dois arquivamentos do inquérito policial que lhe deu
origem. Recurso ordinário provido." [RHC 80.757, Relatora a
Ministra ELLEN GRACIE, DJ 01.08.2003]
- A reutilização da
prova afronta a decisão, do Tribunal, que a declarou inidônea.
Daí porque vicia o ato reclamado, especialmente se não há fato
novo que autorize sua instauração. A violação, neste caso, emerge
do cotejo formal entre o ato reclamado e os estritos termos da
decisão desta Corte, transitada em julgado. Aqui não se debate
poderes de investigação do Ministério Público.
- O periculum
in mora é incontestável dada a possibilidade de o reclamante ser
compelido a imediatamente prestar depoimento no PAC n. 01/2006,
anteriormente à apreciação desta reclamação pelo Pleno. A
prestar-se acatamento ao chamado império da lei, a pretender-se
preservar a liberdade de todos --- o que pressupõe a defesa da
liberdade de cada um --- o provimento cautelar se impõe.
Defiro a medida liminar, a fim de que seja suspenso o
Procedimento Administrativo Criminal n. 01/2006.
Intime-se a
autoridade reclamada, com urgência, para que preste informações
no prazo da lei [art. 14, I, da Lei n. 8.038/90], após o que
reapreciarei a cautela concedida.
Publique-se.
Brasília, 9 de
maio de 2006.
Ministro Eros Grau
- Relator -