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Direto ao assunto

Brasil, carnaval e crise

Maia vem, Lula vai e o mundo, assustado com coronavírus, não teria mais a fazer do que discutir parlamentarismo tropical e chorar com Lula seus queixumes de falso injustiçado?

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Por José Neumanne
Atualização:

Lula recebe título de cidadão parisiense das mãos da prefeita Anne Hidalgo ao lado dos petistas Dilma Rousseff e Fernando Haddad. Foto: Thibault Camus/AP

São Paulo não é mais o túmulo do samba da metáfora do carioquíssimo Vinicius de Moraes. Com 15 milhões de pessoas, aqui foi festejado o maior carnaval do País, superando, imaginem só, Rio, Salvador e Recife. Quem diria! Mário de Andrade, meu paulistano símbolo, conterrâneo de meus quatro filhos e do neto mais velho, ensaiou um passo de frevo no Largo do Arouche, com o solo da Pauliceia Dilacerada, de outro poeta Mário e paulista amigo (de Cajubi), o Chamie, sacudido certamente pela mexida que o poeta de Orfeu do Carnaval solfejou debaixo do chão sobre o qual desfilou a campeã Viradouro. Pois é, seu Mé! Quem caiu fora foi outro carioca, que dizem que nasceu no Chile, Rodrigo Maia.

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No meio dos blocos dos sujos, sem o mela-mela rude dos entrudos de antanho, o filho de um descendente dos Maias de Catolé do Rocha e casado com a enteada de Moreira Franco, o "gato angorá" de Brizola, de quem papai César era guru econômico nos anos em que morei no Rio de Janeiro, escafedeu-se para a Espanha. Em Madrid foi recebido por Felipe VI, rei local, filho daquele que mandou o novo deus das esquerdas, Hugo Chávez, calar a boca, em palácio, honraria de deixar boquiaberto o avô Epitácio entre uma refrega e outra contra os Suassunas de João e seu filho Ariano.

O que fazia Sua Excelência na Castela dos reis Fernando e Isabel, enquanto Pindorama deixava de ouvir surdos e cuícas na Marquês de Sapucaí para repercutir a diatribe pesada do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro, general Augusto Heleno Ribeiro? Este chamou impropriamente de "chantagem" a tentativa do deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do Orçamento da União, de reservar alguns bilhões para emendas parlamentares. Emendas pra lá de especiais, pois seriam destinadas diretamente pelos nobres pares do turista aprendiz a prefeitos e governadores de sua laia, como diria o capitão Bolsonaro, sem fiscalização de órgão algum. O general, por óbvio, errou. Não se trata de mera chantagem. É, como diria a voz do povo, uma punga.

O circo pegou fogo, como aquela tragédia que enlutou nas páginas da revista O Cruzeiro, do rei Chatô, Niterói, terra do quase sogro de Maia, Moreira Angorá, lugar onde, segundo Stanislaw Ponte Preta, "urubu voa de costas". O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, internado em hospital para operar o quadril, esperou Bolsonaro compartilhar no WhatsApp um post sobre manifestação nas ruas dia 15 a favor dele e contra o Congresso, pobre Congresso, para lhe descer o pau: "O presidente não está à altura do cargo". É, pode ser. Mas estaria Mello, que não renuncia ao posto para cuidar das cadeiras, à altura do dele? Será?

Pelo sim, pelo não, melhor deixar a pergunta sem resposta, de vez que um coleguinha do decano, o ministro, digamos, caçula Alexandre Savonarola de Moraes, pode bater o martelo para inutilizar a mão do escriba. Saulo Ramos, que fez o desfavor ao País de indicar ao chefe Sarney o nome do procurador paulista para servir por muitos anos à elite política dirigente na cúpula do Judiciário, pode até discordar, mas verdade seja dita: o que tinha Maia a explicar aos 74 mil eleitores que o puseram na Câmara, e quase não conseguiram, sobre o que fazia tão longe da mesma mesa à qual o senador Auro de Moura Andrade despachou a renúncia de Jânio sem pôr para votar e o ministro do STF de Rincão (SP) Sydney Sanchez presidiu a votação do Congresso que apeou o alagoano Collor do poder maior? Pois então, que missão oficial tão espinhosa o afastou do exercício de único brasileiro autorizado a começar o processo para depor Bolsonaro, com seus mais de 57 milhões de votos, quase mil vezes os dele?

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Perdoe o leitor -- que, segundo meu primeiro chefe de reportagem, JB Lemos, é o verdadeiro patrão (e padrão) para um jornalista que se preze --, mas primeiro convém perguntar que missão oficial o dr. Maia cumpria em terras longe do mar em Espanha? Um tuíte inoportuno da Embaixada do Brasil o delatou, dando conta de que fora à Península Ibérica debater parlamentarismo em território brasileiro. Golpe, dirão seus adversários impenitentes. Afinal, quem seria beneficiário de parlamentarismo capaz de tornar o capitão rainha da Inglaterra, a não ser ele próprio? Ah, mas a Embaixada na Espanha sumiu com a prova, apagou o tuíte, ora vejam só!

E Maia voltou para participar daquele momento histórico da tunga dos bilhões que o general Heleno chamou de chantagem e o degas aqui, de mera punga. Ou tunga. Ou qualquer coisa que não seja propriamente motivo para fazer o carnaval da consagração paulistana em meio à crise.

Maia veio e Lula foi. O ex-presidiário foi a Paris em voo de carreira, que só frequenta para o exterior. Domésticos são evitados para que não haja encontros desagradáveis com vítimas da roubalheira comandada pelo PT em seus oito anos de desgoverno e mais oito de indigestão nacional sob o poste Dilma e o parceiro Temer. Não ria. Quem paga as despesas é você, pagador de impostos. O secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, Antônio Carlos Paiva Futuro, escalou quatro assessores para acompanhar o ex-presidiário no périplo europeu. São eles Valmir Morais da Silva, Elias dos Reis, Carlos Eduardo Rodrigues Filho e Misael Melo da Silva. O quarteto ganhou um passeio a Paris, Genebra e Berlim por conta do chamado erário, também conhecido como viúva, de comprovada e generalizada generosidade. Pergunta-se: que tipo de assessoria quatro servidores da Secretaria-Geral, ocupada pelo apadrinhado de Bolsonaro Jorge Oliveira, poderão prestar àquele que vive chamando o chefe de todos de "miliciano" e outros substantivos não menos ofensivos? Jorginho, que Bolsonaro indicará para o STF, tê-los-á instruído sobre outros atributos?

Então, vejamos. O condenado por 13 juízes, desembargadores e ministros por crimes que atingem o patrimônio público, tais como corrupção e lavagem de dinheiro, recebeu da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, o título de cidadão parisiense. Ou seja, teve chance de voltar a insultar o chefe do governo, que lhe impôs uma margem de 10 milhões de votos de vantagem ao humilhar nas urnas seu mais recente poste de plantão, Fernando Haddad. O que farão os assessores de Futuro, o número 2 de Jorginho, que com carteirinha de Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) novinha em folha deverá substituir Marco Aurélio Mello, o primo de Collor, no STF, em julho do ano que vem? Em que temas poderão ter-se especializado no serviço público para ajudarem o condenado e culpado a maldizer o País e sua Justiça?

Já na condição de cidadão parisiense, monsieur Silva, que não deve ter encontro marcado com o inspetor Javert, que perseguia Jean Valjean em Os Miseráveis, de Victor Hugo, participou de uma manifestação pública pelo "Lula livre". Terá sido o quarteto assessório nomeado pelo sub de Jorginho -- segundo Eduardo Bolsonaro, o mais leal servidor de "seu" Jair --encarregado de convencer os participantes de que a libertação polêmica do novo cidadão da Cidade Luz é apenas um conto policial da direita brasileira? Pois seu acompanhado continua preso em seu apartamento luxuoso em São Bernardo do Campo, de vez que pelo menos no Brasil não consegue sair à rua sem ouvir um insulto ou uma queixa...

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Em seguida, a comitiva voa para Genebra, na Suíça, onde o ex-chanceler Celso Amorim recebeu seus vencimentos de diplomata para falar mal do país que lhe paga os proventos mensais. De que servem, então, os asseclas do dr. Futuro a seu protegé? Para apresentar ao filho de dona Lindu os chefões religiosos com os quais tinha encontro agendado? Ou guardaram sua assessoria, paga a precioso ouro dos desempregados por Lula, para dar-lhe argumentos e provar ser injustiçado pela pátria ingrata num encontro em Berlim com sindicalistas do resto do mundo?

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O pretexto para o pagamento do turismo de maledicência do ex-sindicalista, presidente e presidiário é uma portaria que já deveria ter sido revogada. Que lealdade é essa do major da PM, que está para ser alçado a ministro do STF, que não serve para evitar esse tipo de vexame para o Brasil? Ou será que Jorginho estava ocupado demais em instruir Bolsonaro a dar mancadas públicas com sua malfadada assessoria jurídica, para cuidar dessas miuçalhas? Por essas e outras o país do carnaval e da crise não se satisfaz com as próprias patacoadas e voa para o exterior para propagá-las.

  • Jornalista, poeta e escritor

 

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