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Direto ao assunto

As vantagens do atraso para o Messias da morte

Bolsonaro não deu um pio sobre milhões de Guedes em paraíso fiscal e veta doação pública de absorventes para brasileiras pobres só para motivar seu eleitor, que nega ciência, verdade e amor

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Por José Neumanne
Atualização:

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, estoca US$ 9,5 milhões (mais de R$ 52 milhões) em offshore das Ilhas Virgens, paraíso fiscal a 3.887 quilômetros de Brasília, sede do Banco Central e da Receita Federal. O presidente do primeiro, Roberto Campos Neto, também tem dólares protegidos a igual distância. Chefe dos dois, contudo, ele não parece incomodado com isso. E, na certa, tem total apoio de seu eleitorado fiel, dito rebanho, que manifesta nas redes sociais apoio irrestrito ao silêncio que até agora ele mantém. "Ele ganhou seu dinheiro honestamente", resumem. "E declarou às autoridades". Mas acontece que as autoridades econômica e monetária são estes e têm entre seus deveres a credibilidade. A economia da Pátria "amada" vive de confiança, mas o trio responsável por ela, ao que parece, não está nem aí para a hora do Brasil, como se diz.

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Ah, mas o presidente Messias Bolsonaro, muito rigoroso quando se trata de aprovar quaisquer despesas públicas, segue rigorosamente à risca o dispositivo que obriga o Congresso Nacional a apontar de forma explícita qual fonte de recursos autoriza as retiradas do erário para tanto determinadas. Por isso, o diligente guardião dos trilhões de pagadores de impostos vetou sem dó desembolsos do Orçamento destinados a pagar absorventes a brasileiras muito pobres cuja renda não é suficiente para evitar a exibição de seus fluxos menstruais, ocorridos a cada mês. O chefe proibiu e os apoiadores fiéis concordam. Então, garantiu os votos deles. E os sufrágios das moradoras de rua não serão necessariamente negados a quem suspendeu o subsídio oficial do combate à "pobreza menstrual". O patrimônio vocabular de Sua Insolência, o capitão terrorista, não inclui essas expressões esdrúxulas. E, criticado, respondeu duramente: "Isso é só para me desgastar". Arrematando, depois, que vingança virá: "As verbas serão retiradas de Saúde e Educação".

Ora, pois. Às vezes, seu Messias consegue ser acaciano. É claro que o dinheiro deverá ter o carimbo do Ministério da Saúde, embora menstruação não seja doença. E do da Educação, pois uma parcela das adolescentes sem renda para comprar absorventes também frequenta estabelecimentos de instrução públicos. O tom de vendetta, que adotou, só ganha sentido quando se sabe que quem precisa de doação oficial de absorvente são mulheres muito pobres em idade fértil. E, como o chefe do Executivo nunca negou, ele é inimigo da pobreza. Como o são seus eleitores leais. E, da mesma forma, o seguem cegamente por se oporem a vacina, verdade e vida.

No meio do alarido, que ainda prega o tratamento precoce, a retirada das máscaras e a imunidade de rebanho e estimula aglomerações, que facilitam o contágio pelo novo coronavírus, a esta altura da pandemia, o distinto público também ficou sabendo que foram cortadas 87% das verbas para ciência e tecnologia do Orçamento de 2022, ano de disputa de reeleição. O coronel Marcos Pontes, astronauta, garoto-propaganda do colchão "da Nasa" e ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, definiu o corte, determinado pelo colega com milhões de dólares em paraíso fiscal, como "falta de consideração". Mas não fez coro aos protestos das organizações que apelam aos parlamentares na tentativa de reverter essas vantagens do atraso na volta à idade das trevas em pleno século das redes sociais, das quais seus malfeitores se consideram arautos e beneficiários.

Oito entidades científicas da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP) apelaram ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, contra a medida, tornada pública pelo líder do desgoverno Bolsonaro no Congresso, senador Eduardo Gomes, ao deslocar para seis pastas verbas que seriam usadas em pesquisas. Com base em ofício enviado pelo Ministério da Economia à Comissão Mista do Orçamento, as entidades dizem que a pasta receberia R$ 690 milhões, mas só vai ficar com R$ 89,8 milhões. A carta dos cientistas, intitulada Manobra do Ministério da Economia afronta a ciência nacional, pede que Pacheco reverta a decisão, alertando que ela ameaça a sobrevivência da ciência e da inovação do País e prejudica projetos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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As atitudes do presidente - omissão sobre as contas de Guedes e Campos Neto nas Ilhas Virgens, veto à doação pública de absorventes e corte radical de verbas para ciência e tecnologia sem razões republicanas - são coerentes com seu perfil e os anseios de seu eleitorado. Fiéis mantenedores do neocoronelismo, eles utilizam a ignorância crassa do povo em proveito da própria prosperidade, fazendo da instrução pública inimiga figadal. Não confundem com devaneios de palanque eleitoral as narrativas de homem da cobra de feiras a favor do nióbio, com mais cores do que o ouro, e do grafeno, mais duro do que o aço, nem seus delírios febris de filho de garimpeiro malsucedido. Nem veem em manifestações públicas de culto à morte do ainda artilheiro, mentiras próprias de quem é considerado "mito", além de elogios à tortura e incentivo ao armamentismo, como negações a Jesus, que só pregou paz, amor, verdade e vida. O que lhe interessa é que sua famiglia consiga votos necessários para manter a prerrogativa de função para filhos profissionais da política. E ainda conta com a fidelidade de beneficiários do "orçamento clandestino" e vantagens salariais e corporativas para milicos e policiais na garantia da própria impunidade.

*Jornalista, poeta e escritor

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