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Direto ao assunto

A boa vontade de Biden com Banânia

Mesmo após a troca do superintendente da PF no Amazonas por ter mandado notícia-crime sobre Salles ao STF e dos cortes em gastos ambientais no Orçamento, democrata ainda leva fé em Bolsonaro

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Por José Neumanne
Atualização:

 

"Ouvimos notícias encorajadoras nos anúncios de Argentina, Brasil, África do Sul e Coreia do Sul", disse o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao fazer um balanço da cúpula do clima, na quinta-feira 22 de abril, sob os auspícios do governo norte-americano pós-Donald Trump. O democrata referiu-se a discursos que não ouviu, pois se retirou da reunião antes de o argentino Alberto Fernández usar a palavra e não voltou para ouvir Jair Bolsonaro. Mas não se pode comentar esse despautério sabendo que ele preside diplomacia e serviços de informação muito sofisticados, que em teoria o mantêm informado sobre diferenças abissais existentes entre os vizinhos sul-americanos e a completa dissociação de qualquer um dos dois países com sul-africanos e sul-coreanos. Isso sem falar no abismo imenso entre o narrado por Bolsonaro e o que realmente acontece.

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No discurso que leu, o capetão sem noção comprometeu-se a reduzir em 37% a emissão de gases de efeito estufa até 2025 e em 47% até 2030. Usou até a linguagem ambientalista da moda para garantir "neutralidade climática" até 2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior, que já não dava para levar em conta. Bolsonaro disse mais, lembrando jocoso deslize de sua antecessora petista, Dilma Rousseff, que dobrará o uso de recursos públicos para fiscalização ambiental e zerar o desmatamento ilegal. Seria mais verossímil zerar a fiscalização, o que quase já conseguiu, e dobrar o desmatamento, favorecendo o crime, não o clima. E no que pode ser a única verdade de seu discurso, pediu ajuda bilionária dos países ricos, uma esmolinha que ele considera, diga-se de passagem, a justa remuneração deles pelos serviços ambientais prestados pelo Brasil. Um simples sobrevoo sobre a Amazônia reduz a cinzas essa deslavada mentira.

Ao que parece, os feitos do assassino serial londrino Jack, o Estripador, podem ser mais facilmente entendidos pelo chefe da maior potência política e militar do mundo contemporâneo. Então, talvez seja preciso usar uma sentença mórbida atribuída ao facínora desde suas atividades soturnas na capital do Reino Unido: vamos por partes.

Conhecido por sua militância ambientalista, Biden não deve ignorar algumas evidências históricas. E se as desconhece, isso só se pode explicar, embora nunca justifique, por incrível desinformação sobre o que seja possível extrair de autêntico de promessas vãs de um especialista que se destaca exatamente pela disposição vocacional para a patranha. Em relação ao desmate da floresta tropical, como definem os bem-intencionados militantes ecológicos dos países ricos, ele é antigo e facilmente identificável. Qualquer leigo com alguma iniciação no assunto sabe que, no mínimo, 90% da madeira nobre extraída da Amazônia o é por meios criminosos. Madeireiros internacionais ou nativos, proibidos de acionar suas motosserras em quaisquer outras regiões de mata virgem do mundo, devastam a maior de todas, em território de Brasil, Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, porque não há, nunca houve, nenhum governo disposto a fazer cumprir a lei nesses territórios indígenas ou ocupados por grileiros. Na vigência entre nós da Constituição leniente, e não cidadã, como dizia seu morubixaba, Ulysses Guimarães, a sociedade com políticos brasileiros eleitos num sistema de voto absurdo facilita as coisas. A participação ativa de Bolsonaro, por intermédio de seu lugar-tenente para o desmate, o ministro do Mau Ambiente, Ricardo Salles, só piorou as coisas. Biden deveria saber disso.

Se não sabe, ainda está em tempo de ser informado sobre fatos recentes. O superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas Alexandre Saraiva foi substituído por ter enviado notícia-crime contra o citado ministro com provas de sua adesão ao crime. Esta mostrou-o fiel à declaração feita em reunião ministerial e exibida a todo o País: "Vamos aproveitar para passar a boiada na pandemia". No dia seguinte à mentira comemorada pelo chefe branco dos ianques, o capitão cloroquina cortou 24% no orçamento do meio ambiente para 2021 em relação ao ano passado, segundo dados oficiais divulgados na sexta-feira 23. É possível que o embaixador dos EUA não o haja informado ao inquilino da Casa Branca?

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Essa demonstração de ignorância (ou descaso?) deverá ter consequências mais funestas do que a troca de Brasil por Bolívia em discurso de Ronald Reagan, em 1982, durante visita a João Figueiredo em Brasília, gafe agravada na transcrição, em que foi trocado o nome do país vizinho por Bogotá, capital da Colômbia. Pois demonstra mais desprezo do governante máximo do país ao norte do Rio Grande pela atenção que deveria dar ao Brasil, como já se tinha constatado por sua ausência durante o discurso a que não assistiu. Ficou claro que mais importante do que a verdade é a coincidência aparente das intenções demonstrada pelo orador.

Essa, aliás, nem foi a intervenção mais desastrada de Bolsonaro na sanção da lei mais importante entre todas. Pior do que a inconsequente comemoração de Biden, menos grave do que o apoio de seu correligionário Lyndon Johnson ao golpe militar de 1964, foi a manobra para manter vivas as esperanças da glutonaria militante do Centrão com a transferência de suas emendas parlamentares para um incerto momento eventual. E mais um corte de despesas que adiou o censo de 2020, adiado para 2021 e agora cancelado para 2022. O "me engana que eu gosto" do "cara" que a famiglia presidencial peculatária brasileira garantia que roubou a eleição do paizinho Donald significa a adesão cega e indiscriminada do desgoverno Bolsonaro a sua decisão de mentir sem desmentidos de algum recenseamento capaz de revelar dados confiáveis da vida real com a chancela científica e verídica de uma instituição como o IBGE nesta Banânia Bolsonarista.

José Nêumanne Pinto

*Jornalista, poeta e escritor

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