Só a política salva a Declaração dos Direitos Humanos

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos completa hoje 60 anos. Foi concebida ao final da Segunda Guerra, genericamente, como um modo de prevenir que a barbárie verificada no conflito se repetisse. Como se sabe, funcionou precariamente, talvez porque o problema seja a declaração em si. Ela supõe uma natureza igualitária onde só deveria haver diferença.

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A idéia de direitos humanos toma forma a partir do século 18, com as revoluções americana e francesa. A declaração de independência dos EUA, por exemplo, já enfatiza a noção de que a igualdade entre os homens não é natural, mas historicamente construída. "Nós garantimos essa verdade como evidente, a de que todos os homens são criados iguais", afirma o texto - o que, em outras palavras, significa que as "verdades" só se materializam porque alguém as "garante". A dificuldade de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos é justamente que ela pressupõe a igualdade total entre os homens como um dado. Tal raciocínio, guardadas as proporções, corre o risco de ser quase tão totalitário quanto o totalitarismo que a declaração almejou derrotar.

O homem só se realiza como tal, em sua plena identidade e dignidade, na relação com o Outro. É dessa interação, quando formalizada, que surge o senso comum, envoltório protetor das singularidades sociais e da liberdade. O totalitarismo age exatamente no isolamento do homem, com o objetivo de eliminar a possibilidade de que o indivíduo se afirme e desenvolva seu repertório político. A massa toma o lugar do homem, dispensando, por ocioso, qualquer esforço no sentido de preservar direitos individuais ou de minorias.

Além disso, como salienta Hannah Arendt, a idéia de uma legislação "universal" se choca com a soberania dos Estados, ou seja, nenhum Estado renunciaria à defesa dos direitos daqueles que são reconhecidos como integrantes da nação. Assim, os direitos "humanos" acabam se confundindo com direitos "nacionais". Nesse cenário, resta às minorias lutar politicamente para que sejam reconhecidas como parte da nação e, portanto, para que tenham "direito a ter direitos". Não se trata de desprezar a Declaração Universal dos Direitos Humanos por suas fragilidades, mas sim de transformar a idéia de dignidade humana que dela emana em um efetivo instrumento político.

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