É óbvio que toda obra clássica deve ser contextualizada, porque textos assim são espelhos de um passado que nos influencia de modo determinante. Para compreender um clássico, é preciso mergulhar nele e conhecer o repertório que o engendrou. No entanto, o que muda essencialmente de nossa leitura de Voltaire quando conhecemos seu lado antissemita? O que muda quando sabemos que Picasso atormentou sua amante Dora Maar para ter um modelo de sofrimento para sua obra-prima Guernica? O que muda quando lemos que o Padre Antônio Vieira, talvez o mais importante orador em língua portuguesa, considerava a escravidão uma dádiva para os negros, porque os havia tirado da condição de gentios na África?
Desse modo, a contextualização de Lobato deve ser feita sim, mas não por um militante do politicamente correto, preocupado em defender os "53% dos brasileiros que se consideram negros", e sim por quem trate o texto como documento de uma época e explore sua riqueza para conhecermos melhor o mundo contraditório em que vivemos.
Se Lobato só puder circular com um "disclaimer" sobre seu racismo, então sugiro que a Bíblia seja sempre acompanhada de um aviso no qual se leia: "Esta obra faz apologia da escravidão e da sujeição feminina".