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O filme de Lula e os poderosos judeus

A Folha de S. Paulo publicou hoje interessante reportagem sobre o cancelamento da exibição do filme "Lula, o Filho do Brasil" nos EUA. Interessante não pela informação que traz, mas pelo texto em si.

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Atualização:

Primeiro, a informação. Segundo a reportagem, Paula Barreto, irmã do diretor do filme, Fábio Barreto, disse que o distribuidor americano decidiu não exibi-lo no país. Motivo: a aproximação de Lula com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. O texto da Folha "explica" o problema: "Ahmadinejad é conhecido por negar o Holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial e prometer a destruição de Israel. A possibilidade de o Irã desenvolver uma bomba nuclear é hoje a principal preocupação da comunidade judaica nos Estados Unidos".

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À parte o óbvio exagero sobre a "principal preocupação da comunidade judaica dos EUA" e sobre o alcance da atuação de Lula no caso do Irã, o que os judeus americanos têm a ver com os problemas do filme sobre Lula? O texto responde, agora com uma frase de Paula Barreto: "O distribuidor é judeu e nos disse que era inviável exibir o filme num cinema onde a maioria do público é de judeus".

Paula Barreto, de acordo com o registro da Folha, está dizendo que um judeu impediu a distribuição de um filme nos EUA por causa do conteúdo supostamente contrário aos interesses judaicos. Está sugerindo também que "a maioria do público é de judeus", religião de apenas 1,7% da população americana. Tal afirmação, em seu conjunto, remete imediatamente à imagem do poderoso judeu controlador da mídia, das comunicações e das finanças no mundo. Esperava-se, em razão disso, que a Folha não se contentasse com a aparentemente despretensiosa declaração de Paula Barreto e, como manda o manual do bom jornalismo, fosse ouvir o "outro lado", isto é, o tal distribuidor.

Mas isso não aconteceu. E aqui entramos no segundo aspecto interessante do texto da Folha. Depois de dizer que Paula Barreto "não quis revelar o nome do distribuidor americano", a repórter contentou-se em "investigar" que a página de divulgação do filme na internet cita a Miramax como parceira do filme sobre Lula - e que, entre os fundadores da distribuidora, está "o judeu" Harvey Weinstein, "um dos mais influentes executivos do cinema americano". Ponto final. O texto termina sem uma linha atribuída ao "influente" Weinstein, a título de confirmação do caso todo ou de eventual defesa de sua suposta ação.

Como resultado disso, o que temos é pura leviandade. A leitura do texto conduz os desavisados à conclusão de que os judeus são realmente os desprezíveis seres aos quais a literatura antissemita alude desde o século 19. Ao não dar a palavra a Weinstein, depois de ter envolvido seu nome num suposto caso de censura, o texto não se presta a outra coisa senão a reafirmar o estereótipo do judeu ganancioso e poderoso.

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Por outro lado, Paula Barreto, que deve ter sido a única fonte das informações contidas na reportagem, pôde manifestar-se livremente, espalhando sua versão dos supostos fatos. Ela até pôde dizer que o filme - um fracasso de público e crítica no Brasil - seria um "sucesso" nos EUA, porque "a trajetória do personagem é o que se pode descrever como 'sonho americano'". A hipótese de que o filme possa ter sido rejeitado por ser ruim não é abordada pelo texto da Folha. Pelo contrário: Paula Barreto afirmou que os exibidores americanos "adoraram" a produção - logo, só poderiam tê-lo rejeitado por razões políticas, e não artísticas.

Paula Barreto, por fim, afirmou que prefere não dizer o nome do distribuidor "judeu" por ter com ele "um relacionamento antigo e de amizade". Imagine se não tivesse.

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