Karzai sabe que, quando a presença ocidental for apenas história, terá de lidar sem intermediários com as forças internas e externas que, em outras circunstâncias, já o teriam derrubado. Seu discurso atual, francamente hostil aos EUA, parece ser fruto da manjada estratégia de apelar ao antiamericanismo para obter força política. O presidente afegão chegou a sugerir que aderirá ao Taleban se o Ocidente continuar a pressioná-lo - ou seja, se o Ocidente continuar a cobrar de Karzai o fim da corrupção e exigir dele um compromisso mais decisivo com o esforço de guerra, o que inclui parar de criticar as forças da Otan pelos ataques que matam civis.
A bravata de Karzai traduz uma atmosfera de tensão crescente, tanto entre ele e os EUA quanto entre ele e os próprios afegãos. Karzai está usando a impopularidade americana para se legitimar, diante das evidências de que manipulou eleições e de que é incapaz de (ou interessado em) acabar com a corrupção endêmica no país. Do lado das relações diplomáticas, consta que as reuniões entre ele e os americanos normalmente acabam antes do previsto, de modo abrupto, com socos na mesa. O presidente americano, Barack Obama, dedica a Karzai uma frieza que não condiz com a importância estratégica do afegão - na última vez em que se viram, em Cabul, Obama lhe deu apenas alguns minutos de atenção, e somente para lembrar-lhe de suas obrigações com a coalizão militar que o sustenta.
Karzai, por outro lado, não parece nem um pouco interessado em melhorar o humor geral. Convidou o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para uma visitinha e está flertando com a China. A líderes tribais, ele disse que seu governo não é "fantoche" dos EUA. Ocioso dizer que esses gestos - absolutamente calculados - enfureceram Washington.
Em meio à crise, ficou evidente a posição ambígua dos americanos: de um lado, sustentam que seu papel é levar a democracia ao Afeganistão; de outro, ainda aceitam como "parceiro" um líder que os desafia e que cada vez mais nega os seus mais caros princípios democráticos.