O financiamento da rodovia é brasileiro, acertado ainda no governo Lula, e a obra está a cargo da construtora brasileira OAS. Ou seja, o Brasil está envolvido até o pescoço na história.
O interessante no caso é o modo como se comportaram tanto Evo quanto o governo brasileiro, ambos declaradamente interessados na construção da cidadania indígena na Bolívia. O presidente boliviano mandou a polícia dispersar os manifestantes, indígenas como ele, em cenas que lembraram os piores momentos da Bolívia governada por e para os brancos. Acusou-os de estarem a serviço de ONGs estrangeiras e dos EUA. A ministra da Defesa boliviana, Cecilia Chacon, pediu demissão nesta segunda-feira por considerar injustificável a violência oficial. "Assim não! Concordamos com o povo que faríamos as coisas de outra maneira", disse ela em sua nota de demissão. Já o Itamaraty limitou-se a lamentar os incidentes e a manifestar "confiança em que o governo boliviano e diferentes setores da sociedade boliviana continuarão a favorecer o diálogo".
A despeito desse episódio, não é o caso de duvidar das intenções de Evo de levar adiante o formidável projeto de transformar a Bolívia num Estado em que a maioria indígena seja respeitada. No entanto, o episódio joga luz nas dificuldades em conciliar a retórica político-ideológica e a prática administrativa, sobretudo em países com abismo social tão acentuado.
Cabe ao Estado manter a ordem, e Evo parece saber disso. Mas o preço histórico que ele está pagando por reprimir os mesmos índios cuja dignidade jurou resgatar pode superar largamente os ganhos da "paz social" dos cassetetes.