Algo ficou pelo caminho - ao ponto de um fenômeno como o atual time do Santos, que desperta fantasias há muito tempo esquecidas, ter contra si o ceticismo dos "idiotas da objetividade" de que falava Nelson Rodrigues, expressão resgatada por José Miguel Wisnik em conversa comigo no sábado passado. Voltávamos, eu e esse grande mestre, de uma série de bons debates em Curitiba, promovidos pelo Sesc a propósito da Copa, e lá tivemos a oportunidade de ouvir a opinião de Sócrates. O craque tem autoridade sobre o assunto: era o capitão da seleção brasileira na Copa de 1982, aquela em que jogamos um futebol magnífico e acabamos derrotados, deflagrando uma crise de identidade da qual ainda não nos recuperamos.
"Parece que só a vitória interessa", disse o Doutor, a propósito do surdo desprezo que o Santos inspira nos medíocres. Ele usava o exemplo atual, desse time mágico, para ilustrar as reações depois da tragédia de 1982. "É a lógica do capitalismo", afirmou Sócrates - para ele, a vitória adquire um valor que supera qualquer outra consideração, como a beleza do jogo. Procura-se reduzir o futebol a um fim - ganhar títulos, amealhar prêmios, multiplicar dinheiro. Ou seja: o futebol deve ser "útil", antes de ser admirável, no sentido dado por Oscar Wilde no prefácio de sua obra-prima O Retrato de Dorian Gray, ao falar do autêntico espírito da arte: "Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, contanto que a não admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada".
Dessa forma, o verdadeiro futebol, aquele que nos remete às emoções da infância, aquele que surpreende e encanta, é e deve ser completamente inútil.