Essa narrativa vem sendo escrita há já alguns anos, sobretudo depois do mensalão, quando Lula ressuscitou no terceiro dia para se tornar Deus. A retórica visa sobretudo a desqualificar a oposição - qualquer uma. Em agosto de 2009, por exemplo, em meio a um dos vários escândalos no Senado presidido por Sarney, Collor foi à tribuna para fazer uma apaixonada defesa do senador maranhense - vítima, segundo ele, da pressão do "ruído intangível das ruas" sobre os parlamentares, assim como ocorreu em seu próprio impeachment. "A multidão e a sua vontade nem sempre ou quase nunca tem razão. A razão é alcançada com base numa reflexão profunda dos fatos que nos estão cercando e do conhecimento desses fatos. Temos exemplos na história. O nosso Jesus Cristo foi levado à cruz porque a turba optou por Barrabás, em vez de optar por Jesus", argumentou o arguto Collor.
A interpretação de que a pressão popular é um "defeito" do sistema representativo, e que a opinião pública não passa de uma "turba", mostra o quanto a democracia autêntica é um problema para essa neoaristocracia que subiu ao poder com Lula. Sarney, Collor e Lula preferem a demagogia, porque nela a massa responde somente a seu comando, sem deixar a ela nem a mais remota a possibilidade de reflexão. Quando a imprensa cumpre sua função, mostrando os problemas desse "mundo perfeito", é logo acusada de fazer "campanha", de "jogar contra", de "minar o interesse do país".
A opinião pública, assim, deve ser desqualificada sempre que for o caso. O mais recente rosnado lulista foi oferecido pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, a título de defesa do livro didático que considera correto falar "nós pesca os peixe". Para ele, os críticos não leram o livro que tanto atacam, razão pela qual eles não são muito diferentes dos nazistas. Como ministro da Educação, Haddad deve saber que exagerou - gente como Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro, para citar somente dois dos críticos mais importantes do livro, dificilmente pode ser qualificada de nazista. Mas discursos como o de Haddad não servem à razão, e sim à confusão de valores, tão fundamental para os populistas.
O contraditório é justamente o antídoto do populismo, motivo pelo qual é violentamente execrado pelos guardiões do messianismo de Lula, o Salvador. Não é por outra razão que Lula prometeu fazer de sua pós-Presidência uma cruzada para "provar" que o mensalão simplesmente não existiu. Hagiografias, afinal, não podem conter manchas.