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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|PT continua com dificuldade de reabrir diálogo com a sociedade

Havia grande expectativa quanto ao programa eleitoral que o PT levou ao ar ontem. O próprio partido contribuiu para criá-la: Lula seria o destaque, receberia clara defesa contra a campanha que vem sofrendo, o PT mostraria a verdade dos fatos e dos ataques que seus governos e realizações vêm sofrendo. Além do mais, o programa traria a marca registrada de um novo marqueteiro, que chegou falando em renovação.

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Em suma, o programa seria uma prévia da grande festa que o PT realizará no próximo sábado para comemorar seus 36 anos de vida.

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No entanto, o que se viu foi um anticlímax. Nenhuma novidade, nenhuma revelação, nada de explicações ou admissão de erros. O partido optou por fornecer mais do mesmo: ênfase nas conquistas sociais e ataques aos "mesmos de sempre", aos golpistas de plantão, que querem vencer no tapetão porque não aceitam as ações de promoção social, a ascensão social dos pobres  e as políticas afirmativas dos governos petistas. Erros? Alguns, disse Lula, mas os acertos foram muito mais numerosos e importantes. Diante deles, tudo o mais seria irrelevante.

O programa bateu firme no que vem chamando de "ódio e intolerância" ao PT. A tese é que isso tem sido estimulado artificialmente pela mídia e pelos poderosos para desmontar a imagem positiva que o partido construiu nos últimos anos. Haveria um tempestade perfeita: todos os que se sentiram de algum modo prejudicados pelo igualitarismo dos governos petistas estariam agora unidos para liquidar o PT, impedir que ele se reproduza, antes de tudo jogando no lixo suas glórias, suas políticas e seus heróis.  Nada haveria de sério nas investigações que apuram irregularidades relacionadas ao partido e menos ainda a Lula. O ex-presidente estaria a ser "humilhado" com ataques que o "caluniam" e o "desrespeitam". A meta dos golpistas não seria somente derrotar o PT, mas calcificar a terra em que ele nasceu, matando tudo o que nela respirar.

É uma narrativa apocalíptica, que não parece ter apoio nos fatos. Mas o programa não se afastou um milímetro dela.

Lula ainda insistiu em acabar com o pessimismo e combater a "moda de falar mal do Brasil". Falou na primeira pessoa: "Hoje tenho muito mais confiança no Brasil do que eu tinha quando tomei posse em 2003. Pessoas que falam em crise repetem isso todo santo dia, ficam minando a confiança no Brasil, mas nós continuamos sendo gigantes no agronegócio mundial, somos o terceiro maior exportador de aviões do mundo e, entre as 10 maiores economias, o Brasil é a que tem a matriz energética mais limpa. Continuamos sendo o sétimo maior mercado consumidor do mundo. Nosso povo está muito mais forte".

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Foi pouco, quase nada. O programa não arrebatou, nem ocupou espaço político. Durante o dia, todos acompanharam a chegada ao Brasil do marqueteiro João Santana e de sua esposa, presos pela Lava-Jato. O ar arrogante, irônico e confiante com que ambos foram filmados no aeroporto funcionou como uma espécie de provocação, contribuindo para encrespar um pouco mais a parcela antipetista da população. À noite, um sonoro panelaço serviu de fundo para o programa.

Não se pode esperar ou exigir que o PT vista o manto da humildade e corte na própria a carne. Não é da natureza dos partidos políticos fazer haraquiris públicos. Mas espera-se que façam uso da inteligência política para sair das dificuldades e enfrentar o efeito de erros e decisões equivocadas. Não precisam dar a cara a tapa, mas mostrar altivez e dialogar com os cidadãos, mediante a apresentação da visão que têm sobre o que está acontecendo. Devem partir do reconhecimento da realidade, não daquilo que acham que é a realidade, ou seja, dos fatos e não de uma interpretação apriorística deles.

Ao bater na mesma tecla de sempre, sem criatividade, sem contundência e dramaticidade, o PT fez um programa inócuo. Perdeu ótima oportunidade para reabrir o diálogo com a sociedade e se repor como ator político qualificado para ajudar o país a encontrar um rumo.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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