Uns e outros alegam que as investigações são "desastradas", espetaculosas, prejudicam a imagem das empresas e do País no exterior, afetando assim a economia e aumentando a crise recessiva. Há até quem veja, nelas, a mão oculta da CIA, a intenção de destruir o "capitalismo nacional" e de abrir as portas para a desnacionalização e o "imperialismo".
O ministro Blairo Maggi (Agricultura) entrou no jogo para dizer que a apuração aponta problemas em práticas que, na verdade, são permitidas legalmente. Em entrevistas, buscou minimizar o resultado divulgado pela PF e rebater os delegados que cuidaram do caso. "As empresas brasileiras investiram alguns milhões de dólares para consolidar mercado, e aí você pega uma empresa que é exportadora e vai dizer que misturou papelão na carne? Pelo amor de Deus. Não dá para aceitar esse tipo de situação", declarou. Para ele, a "narrativa" da PF faz com que se criem "fantasias". Acrescentou: "Não estou dizendo que não tenha sentido a investigação. Com toda certeza tem. Quando falamos para a população ficar tranquila é porque a gente conhece a maior parte do nosso sistema, 99% dos produtores de alimentos fazem as coisas transparentes, certas".
Pode ser que a PF tenha ido com sede demais ao pote, metido os pés pelas mãos e buscado um indevido brilho midiático. Se agiu deste modo, trata-se de um excesso, mais grave se considerar que causa um alarmismo social em nada justificável. Afinal, deve-se ter um cuidado adicional quando se mexe com a comida que os brasileiros põem na mesa.
O clima geral e a estrutura da vida contemporânea ajudam a que ocorram falhas assim. Todos precisam de um lugar ao sol para fazer com que seus planos e objetivos se fixem no cenário e tenham maiores chances de sucesso. O pensamento comum a todos é que você precisa "ganhar a opinião pública" e fazer disso um artifício que blindará seus próximos passos. Não é um pensamento errado.
O que há de excesso e ação performática na atuação de qualquer órgão público deve ser criticado, sem dó. Especialmente quando se tratar de PF, MPF e STF, que se dedicam a cuidar da defesa da Constituição e do cumprimento das leis.
Mas é difícil entender a facilidade com que os adversários da operação varrem a sujeira para baixo do tapete. Que o Ministério da Agricultura e os empresários do setor façam isso é compreensível, ainda que não aceitável. Eles são parte interessada. Mas e os demais, os que não respondem por governos e empresas, os que se apresentam como de esquerda, os defensores da sociedade? Não é razoável que fechem os olhos para crimes que ocorrem sob as barbas de empresas consideradas de ponta, que foram regiamente patrocinadas e apoiadas pelo BNDES e pelos governos. Não é razoável que deixem de lado as trambicagens, as trocas de favores, as vantagens ilícitas, os esquemas político-partidários ilegais que se colaram àquelas empresas como uma segunda pele.
É absurdo que se banalize algo deste porte só com o propósito de reforçar a ideia torta de que há um "golpe" dedicado a "criminalizar" aquilo que foi feito antes e que tenha as digitais do PT. O certo, o correto, o adequado, é que se leve o caso a sério, que se defenda uma apuração dos fatos que vá até o fundo do poço.
Tudo, na verdade, é parte de um único movimento, que ganhou vida própria na medida em que o capitalismo se desregulou, engolido pelas redes e pelas tecnologias que ele próprio pôs em ação, e na medida mesma em que a política dos "campeões nacionais" ganhou livre curso. É falsa a ideia de que estes "campeões" promoveram o desenvolvimento do País ou valorizaram a marca Brasil nos quatro cantos do mundo porque têm um padrão de excelência acima de qualquer suspeita. Muita coisa foi impulsionada por isenções fiscais escabrosas, empréstimos generosos e agrados generalizados. Muita coisa se deveu à prevalência do poder econômico sobre a política e o poder do Estado. Muita coisa passou por esse mixórdia de interesses públicos e privados que está promovendo a degradação geral a que estamos assistindo.
Nasceu daí um arranjo pernicioso, que nos está cobrando um alto preço agora.